Ainda o art.30-A: captação ilícita de recursos
No post anterior, a Dra. Carla Karpstein fez importante comentário, que reproduzo, sobre o art.30-A, manifestando questionamento. Diz ela: "Professor Adriano: Ministrei aula nesse fim de semana em Pós-Graduação de Direito Eleitoral em Curitiba, justamente sobre a questão do 30-A, da inelegibilidade cominada através da desaprovação das contas e do enquadramento do julgamento das contas de campanha, pelo TSE, como matéria administrativa. Mas a minha dúvida se estabelece em relação ao melhor momento de utilização do 30-A: durante o curso da campanha eleitoral (através de AIJE) ou após a desaprovação das contas (utilizando-se como prova da investigação apenas a desaprovação,adaptando-se ao texto do 30-A)? Qual o momento mais efetivo? Seria uma opção do advogado, conforme a robustez das provas? Concordo que o prazo para ajuizamento seja aquele previsto para Ação de Impugnação de Mandato Eletivo - 15 dias após a diplomação - mas várias dúvidas surgiram na discussão com os alunos do Curso".
O art.30-A, no caput, fala em investigação judicial contra condutas em desacordo com a lei eleitoral relativas à arrecadação e gastos de campanha. Repete, na verdade, a antiga dificuldade perpetrada pela jurisprudência e doutrina no uso dos signos "representação" e "investigação judicial". Por isso, prescreve que os legitimados poderão "representar" à Justiça Eleitoral. Eis a integralidade do texto legal:
- Art. 30-A. Qualquer partido político ou coligação poderá representar à Justiça Eleitoral relatando fatos e indicando provas e pedir a abertura de investigação judicial para apurar condutas em desacordo com as normas desta Lei, relativas à arrecadação e gastos de recursos. (Incluído pela Lei nº 11.300, de 2006)
§ 1o Na apuração de que trata este artigo, aplicar-se-á o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990, no que couber. (Incluído pela Lei nº 11.300, de 2006)
§ 2o Comprovados captação ou gastos ilícitos de recursos, para fins eleitorais, será negado diploma ao candidato, ou cassado, se já houver sido outorgado. (Incluído pela Lei nº 11.300, de 2006)
Dentro da reviravolta da jurisprudência eleitoral, com o fenômeno do ocaso da inelegibilidade, o TSE fez a distinção entre inelegibilidade e cassação de registro de candidatura e inaugurou uma nova ordem, segundo a qual as representações da Lei nº 9.504/97 (art.96, art.41-A etc.) eram distintas daquela prevista no art.22 da LC 64/90. Embora fossem a mesma, ao menos quanto ao art.41-A, eram distintas a partir do inciso XV, ou seja, separadas no que couber para permitir a execução imediata da decisão, fazendo ablação da incidência do art.15 da LC 64/90.
Abro aqui um rápido parêntese. A ação de direito material - ou seja, o meio de tutela do direito - é criação de direito material; a ação processual é o remédio posto pelas normas processuais para atuar o meio de tutela. (Esse tema mereceu debate na obra coletiva Polêmica sobre a ação: a tutela jurisdicional na perspectiva das relações entre direito e processo. Porto Alegre: Livraria dos Advogados, 2006, para onde remeto o leitor, nada obstante as divergências que pessoalmente tenha sobre os pontos de vista ali expostos, que estão sendo objeto de um artigo meu em preparo). Logo, a ação processual diz respeito ao rito; a de direito material, ao conteúdo. Quando se afirma que a representação do art.30-A segue o rito da AIJE, no que couber, está se afirmando que a ação de direito material criada por aquelas normas é diversa daquela da LC 64/90, seguindo porém o rito da ação de investigação judicial eleitoral com pré-exclusão dos efeitos do inciso XV do art.22 da LC 64/90, bem como do seu art.15. A expressão "no que couber" é posta pelo legislador para deixar saliente a construção pretoriana para o alcance do art.41-A e do art.73 da Lei 9.504. Fecho o parêntese.
Quando se pode propor a representação do art.30-A? Após o pedido do registro de candidatura, nada obstante possa alcançar fatos anteriores, como ocorreu no Caso Juvenil. Até quando se pode propor a ação? Até 15 dias após a diplomação, uma vez que pode ser objeto da ação os gastos realizados até a eleição e a arrecadação realizada até a data da prestação de contas.
Nada impede que sejam propostas mais de uma representação do art.30-A durante o processo eleitoral, bastando que haja (a) fato ilícito e (b) provas mínimas da sua ocorrência. Não cabe a ação para investigar suspeitas, com meras alegações sem suporte probatório. A petição inicial há de observar as normas do art.282 ss. do CPC.
Faço aqui um acréscimo. Quem são os legitimados para agir ativamente? Apenas partidos e coligações? O TSE, nas resoluções para a eleição de 2008, acrescentou o Ministério Público como parte legítima. Correta a decisão, porque o sistema jurídico põe o MP como fiscal da lei. Seria absurdo excluir-lhe essa faculdade processual. Doutra banda, pergunta-se: e os candidatos? Parece-me absurda qualquer decisão que faça uma leitura chapada do texto legal para excluir a legitimidade dos candidatos. Tal qual as demais ações eleitorais que têm a finalidade de aplicar a sanção de inelegibilidade (ainda que cominada simples), assim também haveremos de interpretar a representação do art.30-A.
Notem bem: o art.30-A revoluciona o processo de prestação de contas, porque deu-se aos atores eleitores um instrumento processual forte para atacar a captação ilícita de recursos ou gastos eleitorais ilícitos.
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