Vida pregressa e autoritarismo judicial

Não é fácil viver sob a democracia. Implica respeitar as instituições, sobretudo o parlamento. Não se diga que o parlamento brasileiro é execrável. O discurso apenas revelaria o conteúdo autoritário dos que preferem a consolidação de uma espécie de despotismo esclarecido. Pior ainda se for ele togado.

De uns tempos para cá, com o apoio de uma mídia entre abobalhada e ingênua, estimula-se uma postura hipócrita de destruição da legitimidade do parlamento e da classe política tout cort, apontando para soluções heterodóxas de solução da degradação moral, entre elas o fechamento puro e simples de acesso dos "maus" políticos à disputa dos mandatos. Como o eleitor - e é justamente isso que está à base dessa postura - não teria condições de escolher os seus representantes, que outros façam isso por ele, excluindo de antemão possíveis candidatos, através de critérios subjetivos.

Está em andamento a iniciativa de alguns, sobretudo de membros do Poder Judiciário, de criar uma inelegibilidade decorrente da vida pregressa do nacional, que mesmo sem condenação transitada em julgado, ficaria excluído do prélio, em atenção a uma leitura achavascada do § 9º do art.14 da CF/88. Leia extrato a notícia abaixo e, em seguida, comento:

TREs querem impedir candidato com ficha suja A iniciativa baseia-se no parágrafo 9º do artigo XIV da Constituição.

O desembargador Cláudio Santos, presidente do TRE-RN e do Colégio de Presidentes de Tribunais Regionais Eleitorais (TRE), acredita que este ano vai haver "um volume bem razoável de indeferimentos" de registros de candidatos aos cargos de vereador e prefeito.
Ele afirmou que não é possível ainda "prever o percentual", mas que "a Justiça deverá agir preventivamente para impedir que maus cidadãos sejam candidatos a cargos eletivos".
No final de março, representantes de 25 TREs do País, reunidos em Natal (RN), sendo 20 presidentes, externaram a preocupação em que seja observada a vida pregressa e os antecedentes criminais de candidatos. (...)


De acordo com o desembargador, o Colégio acredita que pode negar o registro sem a edição da lei de que fala o artigo XIV da Constituição. "Se a lei existisse, os magistrados teriam um norte mais nítido para a aplicação do dispositivo constitucional.
"Nós acreditamos que vá haver uma evolução muito grande no sentido de não aplicar mais o princípio da presunção da inocência, em que você só é culpado depois de ter esgotados todos os recursos julgados em todas as instâncias. É nosso dever evitar que maus cidadãos se candidatem". Segundo Santos, cada caso será avaliado isoladamente.


"Uns (presidentes de TREs) defendem que seria necessário que houvesse condenação em primeira instância em crimes contra a administração pública. Outros defendem que parta de um processo penal sério. Outros que seria necessário uma extensa folha corrida".

Fonte: Tudo na Hora.

Quem seriam os maus cidadãos que não poderiam se candidatar? Quem estivesse sendo processado? Quem fosse réu em mais de três processos com acusações de improbidade? Quem fosse condenado em primeira instância? Qual o critério, finalmente?

Sem lei complementar que disponha sobre a matéria, querem alguns membros de tribunais regionais eleitorais fazerem justiça de mão própria, cumprindo o § 9º do art.14 da CF/88 só em parte. Descumprem justamente o comando de aguardar a lei complementar...

O Tribunal Superior Eleitoral não deve embarcar na nau dos voluntaristas, desrespeitando a Constituição Federal. Noutra quadra, inclusive, já teve oportunidade de decidir sobre a matéria, objeto até mesmo de súmula daquele sodalício:

Eleições 2006. Registro de candidato. Deputado federal. Inelegibilidade. Idoneidade moral. Art. 14, § 9º, da Constituição Federal.
1. O art. 14, § 9°, da Constituição não é auto-aplicável (Súmula nº 13 do Tribunal Superior Eleitoral).
2. Na ausência de lei complementar estabelecendo os casos em que a vida pregressa do candidato implicará inelegibilidade, não pode o julgador, sem se substituir ao legislador, defini-los.
Recurso provido para deferir o registro.


(RO 1069/RJ, Min. Rel. MARCELO RIBEIRO, PSESS 20/09/2006). Inteiro teor: aqui.

Consabido que (a) o art.14, § 9º da CF/88 não é auto-aplicável (Súmula-TSE 13) e (b) não foi editada lei complementar definindo os casos de vida pregressa que ensejariam a sanção de inelegibilidade, não se pode criar por via hermenêutica hipóteses de inelegibilidade, não contemplada no ordenamento jurídico.

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Comentários

Me posiciono a favor da análise da vida pregressa dos candidatos, já que no art. 14, §9º da CF, estão presentes dois princípios constitucionais, o da moralidade e o da probidade para o mandato eletivo, que são normas juridicas de eficácia contida, imediatamente aplicados. A Lei Complementar exigida, visa apenas limitar a abrangência da aplicação dos princípios citados.
Além do mais em todos os cargos públicos é exigivel a moralidade da vida pregressa como exemplos art. 78, §2º da LC 35, art. 22 da Lei 5.010/66 e art. 187 da LC 75.
Ademais no julgamento eleitoral não se faz Juízo de culpabilidade, este específico do processo crime, mas apenas a moralidade para o exercício do mandato, não aplicando-se portanto o principio da inocência.

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