De volta das eleições

Encerradas as eleições, posso novamente me dedicar às atividades intelectuais. E hoje recomecei os estudos para a revisão das minhas Instituições de direito eleitoral. Há livros e decisões judiciais sendo lidos, porque não podemos fazer ciência sem diálogo. O processo de estudo é dialógico, sempre.

Hoje, li em uma manhã o livro "Ficha Limpa", obra coletiva dos juristas e responsáveis pela iniciativa popular que deu origem à Lei Complementar nº 135 (Editora Edipro). Li com atenção, fazendo anotações à margem das páginas, como sempre faço em obras que serão objeto de análise mais detida.

Confesso a minha mais absoluta decepção.

O livro é um deserto de meditações sobre a teoria da inelegibilidade. Há uma série de proposições que sustentam os vários artigos que o compõem, porém consignadas como assertivas inverificáveis, impossíveis de serem falseadas ou confirmadas. São comuns afirmações de que a inelegibilidade não é pena, tendo caráter preventivo, sem que se faça qualquer digressão mais consequente. Nenhum texto analisa a teoria dos fatos jurídicos ilícitos para sacar dali uma fundamentação séria e segura. Afirma-se, simplesmente, sem o respectivo dever de fundamentar.

Como não se vai um passo adiante da mera afirmação, saca-se um argumento de autoridade perverso: a inelegibilidade não é pena porque o STF já disse que não é. Mas competiria ao STF fazer a análise da natureza jurídica de um instituto, dando a última palavra? Não seria essa uma missão da doutrina, que coadjuva os tribunais e a comunidade jurídica no processo de reflexão?

Há um outro livro, que começo agora a ler: "Elegibilidade e moralidade - O direito fundamental à moralidade das candidaturas", de José Armando Ponte Dias Júnior (Ed. Juruá). Essa é uma obra mais densa, escrita com cuidado teórico, buscando fundamentar juridicamente o que denomino de moralismo eleitoral. Estou lendo e, ao terminar, faço uma rápida resenha aqui.

Na semana que vem concluo o período de reflexão e iniciou a redação da 9ª edição, analisando detidamente a LC 135 e a jurisprudência que começou a se formar sobre ela.

Vamos em frente. O blog volta a funcionar a todo vapor.


Comentários

bob disse…
Prezado Dr. Adriano,
Há algum tempo venho acompanhando não só este blog, mas também o seu site. Percebi, de plano, o seu inteiro compromisso com a defesa da Ciência Jurídica. Por isso, resolvi lhe escrever. Embora o Direito Eleitoral não seja a minha área de especialidade (sou professor de Direito Processual Civil), resolvi, muito em virtude de ser um admirador e um seguidor da obra de Pontes de Miranda. Creio que o posicionamento doutrinário e jurisprudencial que preconiza que, em nenhuma hipótese, a inelegibilidade pode ser considerada como uma sanção decorre da ignorância da obra ponteana (ou pontesiana, como prefere) acerca da noção dos ilícitos caducificantes. Desde a década de 50 do século passado (se levarmos em consideração apenas o Tratado de Direito Privado), o jurista alagoano defendia que as caducidades, que, para ele, eram espécies de preclusão, poderiam ser a consequência imputada pelo ordenamento jurídico a alguns tipos de fatos ilícitos. Tal lição, não obstante a obra do professor Marcos Bernardes de Mello (devo dizer que tal autor compôs a banca que examinou minha dissertação de mestrado), a qual, na década de 80 do mesmo século, revigorou a lição em comento passou despercebida pela inteligentsia jurídica brasileira. Afora o âmbito do direito privado, quase não há trabalhos que tentem demonstrar a aplicação dessa brilhante ideia aos demais ramos do direito positivo. Exceção deve ser feita ao professor baiano Fredie Didier Jr., que, pioneiremente, a utilizou no âmbito do Direito Processual, rompendo com a tradicional ideia chiovendiana que nega a possibilidade de as preclusões assumirem, em alguns casos, a feição de sanção. No tocante ao problema relativo ao Direito Eleitoral creio que o hipocentro do problema esteja no fato de que, salvo raras e preciosas exceções (por todos, Marcelo Neves, a quem considero o maior jurista brasileiro vivo), os constitucionalistas, notadamente os brasileiros, não mais fazem questão de enquadrar o Direito Constitucional de acordo com os postulados da Teoria Geral do Direito. Penso que muitos acreditam que a Teoria Geral do Direito resume-se, tão-somente, à Teoria do Direito Constitucional. Veja, por exemplo, a problemática em torno da sentença de inconstitucionalidade que, a meu ver, é precariamente analisada por boa parte dos constitucionalistas (exceção, mais uma vez, a Marcelo Neves) muito pelo fato de eles ignorarem a Teoria Quinária de Pontes de Miranda. Não entendendo que a decisão que decreta a inconstitucionalidade tem eficácia preponderantemente (força) constitutiva, algo que não exclui as demais eficácias, notadamente a declaratória.
Por ora, são essas as minhas considerações. Espero estabelecer um diálogo acerca do tema.
Cordialmente,
Roberto Campos – Professor de Direito Processual Civil da UNICAP (robertocamposgouveia@hotmail.com)
Thiago Maia disse…
Do material que já li a favor da tese defendida pelos adeptos da LC 135 esse livro do José Armando Ponte Dias Júnior é o que aborda com mais profundidade a questão do moralismo eleitoral. Não concordo com algumas conclusões que o autor tira ao final da obra, mas é inegável o esforço empreendido para sustentar de maneira minimamente racional as posições defendidas no livro.
Unknown disse…
Roberto, o neoconstitucionalismo é o nome moderno para o jusnaturalismo envergonhado. E uma desculpa para não mais se estudar teoria geral do direito. Trocaram a segurança jurídica pela aventura dos malabarismos conceituais. Por isso vivemos essa constante incerteza, ao ponto extremo do STF nos brindar a todos com aqueles dois julgamentos absurdos da LC 135.

Vamos nos falando, sim. Será um prazer.
L.B. disse…
Dr. Adriano,

bom saber que vou poder compartilhar dos seus conhecimentos e ensinamentos. A partir de agora serei uma leitora assídua deste blog. Parabéns!

Grande abraço.

Laura Botto.
Professor Adriano,

É com alegria que percebo a retomada do blog, e para variar, em alto estilo, com argumentos fortes e bem cocretados.
Já estava sentindo falta.

Um abraço
Ruy Samuel Espíndola disse…
Mestre Adriano:

Estava sentindo a falta de seus comentários. Preocupei-me, pois seu último comentário,antes desse, tinha sido em 26.09.10.

Concordo com a conclusão sobre o livro da Edipro. Nâo só um deserto de reflexões sobre os pontos centrais da teoria da inelegibilidade, quanto o que é necessário para se entender a inteireza da idéia de direitos políticos fundamentais, ou melhor, direitos fundamentais atinentes ao status activus.

Muita consideração sem reflexão; muita definição sem densidade teórica; muita paixão abafando a razão; muito inciência com pretensão de cientificidade; muito moralismo com pretensões de juridicidade; é um ante-constitucionalismo.

Bem, vamos com tudo grande Mestre Adriano.

abs., Prof. Ruy Samuel Espíndola
Unknown disse…
Professor Adriano,

Recentemente a LC135/2010 foi tema de meu Trabalho de Curso na Faculdade aqui em Maceió. Devo apresentar na próxima terça-feira, dia 310/11. Dentre os inúmeros pontos controversos, aventurei-me a falar de 3 deles: anterioridade da lei, a desnecessidade de transito em julgado para incidência de inelegibilidade e a retroatividade. Suas lições foram de suma importância para a consecução de meu trabalho e aproveito para agradecer. De início, fiquei entusiasmado pelo tema por sua abrangência na mídia e atualidade, entretanto os casos e as consultas que chegavam ao judiciário me fizeram fraquejar no pensamento, já sedimentado de que a lei era absurdamente contrária a diversos preceitos cosntitucionais. As decisões dos ministros do TSE e do Supremo influenciaram uma quase mudança de minha orientação, mas não conseguiram. Finalizei meu trbalho espancando o que defende a nova lei nesses 3 pontos e no final percebi um vazio que gostaria de externar ao Sr.:
Se temos uma lei complementar de 1990 (LC64) que já previa certos casos de inelegibilidade tão defendidos pela opinião pública; Se os critérios de inelegibilidade apenas podem ser aplicados se olharmos para o passado (conforme o Min. Peluso); Se esses novos critérios, tão caros à opinião pública, são de certa forma deglutíveis por nós, que queremos longe da política certas figuras reconhecidamente fichas suja, como fazer então para estabelecer um marco legal de inelegibilidades sem cairmos no casuísmo nem na ofensa à Carta Magna no que diz respeito à irretroatividade, devido processo legal, ato jurídico perfeito e coisa julgada?
A resposta é tão simples assim como aplicar a lei complementar observando esses preceitos, sem atropelá-los?
Estas questões resumem meu vazio atualmente, do qual gostaria de sua ilustríssima opinião.

Parabéns pelo Blog e
Aguardo seus próximos post's

Francisco de Assis
Estudante de Direito
MAceió-AL

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