A quem pertence a vaga, afinal, do parlamentar eleito por uma coligação?

Segundo notícia veiculada no site do Supremo Tribunal Federal (aqui), A ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha deferiu liminar em Mandado de Segurança preventivo (MS 30260) ao suplente de deputado federal Carlos Victor da Rocha Mendes (PSB/RJ), garantido-lhe o direito de precedência na ocupação de vaga aberta por Alexandre Aguiar Cardoso, que assumiu o cargo de secretário de Ciência e Tecnologia do Estado do Rio de Janeiro. Carlos Victor ficou com a segunda suplência na lista da coligação formada entre o Partido Socialista Brasileiro e o Partido da Mobilização Nacional (PMN). Em seu despacho, a ministra observou que os documentos apresentados pelo suplente tornam verossímeis as alegações de que Alexandre Cardoso, do mesmo partido, pode não assumir o cargo de deputado federal devido a sua confirmação como Secretário de Estado, e que a vaga deixada por ele pode vir a ser preenchida por um candidato do PMN. Cármen Lúcia cita a decisão do Plenário do STF em dezembro de 2010, no julgamento de liminar em Mandado de Segurança (MS 29988), no sentido de que, no sistema eleitoral proporcional, os mandatos parlamentares pertencem aos partidos políticos, e não às coligações.

O STF, na prática, assevera que o número de cadeiras dos titulares é definida pela votação dos candidatos e das legendas da coligação, porém, após serem definidos os titulares das respectivas vagas, apenas poderiam ser ocupadas, em substituição ou sucessão, pelo suplente do próprio partido do titular.

Essa regra estaria sendo universalizada, não mais ficando adstrita ao caso de perda de mandato por infidelidade partidária. À evidência, a lógica segundo a qual a vaga decorrente de perda do mandato por infidelidade partidária pertenceria ao partido político do parlamentar infiel não poderia ser transformada em uma regra geral, simplesmente porque aqui, no caso de infidelidade, a perda do mandato decorre justamente do fato ilícito contra a estruturação e organização dos partidos políticos, enquanto ali, no afastamento temporário ou na perda do mandato por qualquer outra razão (morte, cassação por quebra do decoro, etc.) não entraria em questão o princípio da fidelidade partidária.

Uma pergunta, então, se impõe em razão dessa interpretação que passou a ser dada pelo STF: se 3 partidos políticos (A, B e C) se coligam e conquistam duas vagas no parlamento, sendo ambas de candidatos do partido A, os candidatos dos partidos B e C, que contribuíram para a conquista dessas vagas, não poderão nunca ocupá-las, mesmo estando nas primeiras vagas da suplência? Os votos dados pelos eleitores dos partidos B e C não têm o mesmo valor aqueles dados ao partido A?

O consórcio político e partidário, criado justamente para a obtenção do quociente eleitoral, fundamental para a definição do número de vagas a serem ocupadas pelos candidatos integrantes da coligação, teria valor jurídico limitado à definição das vagas titulares, ficando os suplentes, filiados a partidos sem vagas na titularidade, em um limbo jurídico, como a conhecida personagem Viúva Porcina, da obra genial de Dias Gomes, Roque Santeiro, é dizer, "aquela que foi sem nunca ter sido"?

Deve-se guardar na retentiva, ademais, que a interpretação dada pelo STF desconsidera o sistema proporcional, que se estrutura, em nosso Código Eleitoral, através do emprego dos conceitos de quociente eleitoral e quociente partidário. O art.106 do Código Eleitoral (CE) prescreve que"determina-se o quociente eleitoral dividindo-se o número de votos válidos apurados pelo de lugares a preencher em cada circunscrição eleitoral, desprezada a fração se igual ou inferior a meio, equivalente a um, se superior". Já o art.107 do CE prescreve que "determina-se para cada partido ou coligação o quociente partidário, dividindo-se pelo quociente eleitoral o número de votos válidos dados sob a mesma legenda ou coligação de legendas, desprezada a fração". O quociente partidário outra coisa não é, destarte, do que a divisão do número de votos dados ao partido ou à coligação, quando o partido está coligado, pelo quociente eleitoral.

Ou seja, se chamarmos de Qe o quociente eleitoral e de Qp o quociente partidário, temos a seguinte equação (fonte: Wikipédia - aqui):

Q_e = \frac{Numero\ de\ votos\ validos}{Cadeiras\ a\ serem\ preenchidas}

e

Q_p = \frac{Numero\ de\ votos\ do\ Partido}{Q_e}

Destarte, observa-se que o número de cadeiras obtidas por cada partido isolado (em caso de concorrer sozinho) ou por cada coligação (quando realizado o consórcio de partidos para se unirem em um único partido temporário) corresponde à parte inteira do quociente partidário. Caso a soma das cadeiras obtidas pelos partidos ou coligação não seja igual ao total de cadeiras, as cadeiras restantes são divididas de acordo com o sistema de médias, também conhecido como distribuição das sobras.

E como se define quem são os eleitos no sistema proporcional brasileiro? Responde-nos o art.108 do Código Eleitoral:

Art. 108. Estarão eleitos tantos candidatos registrados por um Partido ou Coligação quantos o respectivo quociente partidário indicar, na ordem da votação nominal que cada um tenha recebido. (Alterado pela L-007.454-1985)

É dizer, o registro de candidatura é feito por um partido político isolado ou por uma coligação. Para a definição dos eleitos, é essencial o cômputo dos votos dados à coligação (que nada mais é do que um partido político temporário) ou ao partido político, observando-se a ordem de votação nominal que cada um tenha recebido. E essa ordem de votação nominal é cogente para os candidatos que integram tanto a coligação de partidos como um partido não-coligado.

Porém, haverá ainda vagas a serem preenchidas, necessitando a distribuição dessas vagas e da suplência pelo sistema de sobras, definido no art.109 do CE:

Art. 109. Os lugares não preenchidos com a aplicação dos quocientes partidários serão distribuídos mediante observância das seguintes regras: (Alterado pela L-007.454-1985)

I - dividir-se-á o número de votos válidos atribuídos a cada Partido ou coligação de Partidos pelo número de lugares por ele obtido, mais um, cabendo ao Partido ou coligação que apresentar a maior média um dos lugares a preencher;

II -repetir-se-á a operação para a distribuição de cada um dos lugares.

Desse modo, no nosso sistema proporcional, a vaga decorrente da sucessão ou substituição do titular do mandato eletivo pertence à coligação ou ao partido político, se esse concorreu sozinho, salvo em caso de infidelidade partidária, em que a vaga deve ser conservada pelo partido político, ainda que coligado, desfalcado por ato ilícito partidário de um seu membro detentor de mandato eletivo.

Desse modo, parece-me não haver outra conclusão, estribada no ordenamento jurídico, sobre a impropriedade da interpretação outorgada pelo STF, em maioria ainda não firme, que desconsidera a igualdade de peso dos votos dos eleitores, hipertrofiando o princípio da fidelidade partidária, ao ponto de aplicá-lo contra legem e indevidamente ao tema das coligações e das eleições proporcionais.

Comentários

Anônimo disse…
Olá amigo Adriano Soares,

Após a leitura deste texto permaneço com dúvida sobre a durabilidade da coligação partidária. No caso mais recente o ex-deputado federal Humberto Souto do PPS-MG usou como principal argumento o entendimento da Resolução nº 22.580 do Tribunal Superior Eleitoral (relativa à fidelidade partidária), que a coligação “tem existência temporária e restrita ao processo eleitoral”. Assim, segundo ele, passadas as eleições, cessam os efeitos prospectivos das coligações. Pode esclarecer?
Parabéns e forte abraço!

Everaldo Júnior.
José Armando Ponte Dias Junior disse…
Gostaria de parabenizá-lo pela clareza na exposição de tema tão relevante.

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