Inelegibilidade e sanção


Uma das coisas que mais me impressionam no julgamento do STF sobre a lei dos fichas limpas é a tese - a cotio afirmada - de que a inelegibilidade não é sanção. Já escrevi muito sobre isso, desde muito antes da LC 135, mostrando que há duas espécies de inelegibilidade: a inata, comum a todos que não temos registro de candidatura por ausência de uma das condições de elegibilidade, e a cominada, que é uma sanção decorrente de fato ilícito.

Insisto, com olhos na teoria geral do Direito: de fatos ilícitos só nasce um efeito: sanção! Seja caducificante, seja deseficacizante, seja restritiva de direitos ou de liberdade. Mas é sempre sanção.

A inelegibilidade que se comina como efeito de fato ilícito é sanção. À prática de abuso de poder político aplica-se a sanção de inelegibilidade, é dizer, o impedimento a que o nacional concorra validamente a uma eleição durante o tempo da pena. É muito diferente da situação, por exemplo, de quem está impedido de concorrer a um mandato eletivo porque não se filiou a um partido político (sim, no Brasil, não se existem candidaturas avulsas. Quem quer concorrer a um mandato eletivo vira político, se filiando a um partido).

A ausência de filiação partidária é ausência de uma das condições de elegibilidade, ou seja, de um pressuposto para que o nacional possa concorrer. Não se trata de fato jurídico ilícito, mas de desatendimento a um pressuposto constitucional ou legal.

A diferença entre uma e outra situação é a licitude ou ilicitude do ato jurídico que faz nascer a inelegibilidade. Não é uma distinção de somenos; é básica na teoria jurídica e não pode ser desconsiderada para salvar uma lei de apelo popular.

Quando um ministro do STF afirma que "inelegibilidade não é pena", faz proposição sem aderência na teoria jurídica. É proposição "ad hoc", com força da autoridade que a profere. E só. Do ponto de vista dogmático, é uma proposição sem sentido, porque esquece a pergunta fundamental quando se quer tratar sobre a natureza jurídica de um instituto: de que fato jurídico ela provém: lícito ou ilícito?

É que não há efeito jurídico sem fato jurídico. Todo efeito jurídico - dirá Pontes de Miranda - é efeito de fato jurídico. Assim, para que eu saiba se a inelegibilidade de que se trata é ou não sanção, tenho que pousar os olhos sobre o fato jurídico que a antecede e lhe dá origem e perguntar: é fato lícito ou ilícito?

Pena que, no julgamento de hoje do STF, faltou quem tratasse do tema a partir da teoria geral do Direito, pondo a questão no eixo teórico apropriado.

Comentários

Mestre Adriano, fico feliz com o retorno de seus posts:


QQuanto ao julgamento do STF, encerrado ontem , sobre a lei ficha limpa, tenho a dizer:

A Constituição e o seu sistema de direitos fundamentais, assim como a democracia, penso, podem ficar de luto por algum tempo.

Muito da cultura jurídica que conhecíamos feneceu nos retóricos e inconstitucionais argumentos vencedores.

Voltarei a lecionar na graduação, Constitucional e Eleitoral, para que, no incêndio na floresta, tal qual a pequena andorinha, eu faça a minha parte.

Não quero ver mais juízes com a postura moralista, populista e inconstitucional que testemunhei.

O Min. Britto, penso, é o único que guarda coerência histórica e argumentativa.

Os demais, creio, se curvaram ao populismo e ao politicamente correto.

O min. Fux é o homem de duas almas.

A primeira votou no desempate quanto ao tema do 16 da CF.

E a segunda protagonizou o que testemunhamos de novembro último até agora.

Tenho saudade da primeira, e estranho a última…

Mas, bem ou mal, talvez reste avanços políticos futuros…

Hoje sinto que invlouímos muito em cultura de constituição, de direito fundamentais, e ficou patente para mim que o Direito eleitoral, no Brasil, é “terra de ninguém”, árida, agreste, e para aventureiros.

Vamos brigar para mudar tudo isso.

A Europa destruída, por duas guerras mundiais, se recompôs.

Essa destruição dos direitos políticos e do direito eleitoral pela decisão de ontem, haverá de ser enfrentada, paulatinamente, na medida que começarmos a estudar, efetivamente, essas matérias
com leituras superiores as demonstradas pelos votos vencedores no STF.

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