Unidade da chapa majoritária e unidade de destinos dos seus membros

O § 2º do art.77 da Constituição Federal prescreve que a eleição do presidente da República importará a do vice-presidente com ele registrado. Instituiu o que denominei de candidatura plurissubjetiva: candidaturas registradas em chapa una e indivisível, para recebimento conjunto dos votos, conforme tratei no meu livro Instituições de direito eleitoral.

Nas candidaturas plurissubjetivas, há apenas uma candidatura: a da chapa. Posto sejam dois ou três os seus membros, como ocorre na eleição do Senado Federal nesta segunda hipótese, há apenas uma candidatura formalmente constituída: a da chapa majoritária. Para que se forme a chapa, os seus membros devem preencher as condições de elegibilidade, não estar sob a cominação de nenhuma inelegibilidade e preencher todos os pressupostos formais de procedimentalidade fixados em lei. Deferida a chapa, há candidatura única, de natureza inconsútil. A membridade é relação na internalidade da chapa; externamente, com efeito, é ela una, indivisível. Não por outra razão, se há desfalque superveniente, após o registro deferido, a chapa prossegue mesmo desfalcada, até que seja feita, em caso de possibilidade, a substituição do membro faltante.

A chapa majoritária é uma relação jurídica cujos sujeitos ocupam uma mesma lugaridade posicional: há monotopia, uma só posição jurídica na relação jurídica de direito público que se forma erga omnes. Internamente, insisto, é que a duplicidade subjetiva gera ditopia, ou seja, a situação jurídica de candidato a titular e a de candidato a vice. Assim, há um só registro de candidatura e é ele o registro da chapa una e indivisível. Juridicamente, vota-se nela, não em seus membros.

Quando o ato ilícito vicia a vontade do eleitor, a nulidade é do voto. Note-se: o voto é ato jurídico stricto sensu por meio do qual o eleitor comunica a sua vontade, a sua escolha. Um dos efeitos do reconhecimento judicial da prática do ato ilícito é a nulidade do voto e a perda da sua eficácia, gerando a cassação do diploma e a perda do mandato. Há hipótese de eficácia parcial do voto nulo, como ocorre nas eleições proporcionais, em que poderá ser contado apenas para a legenda (§ 4º do art.175 do Código Eleitoral). O nulo nem sempre é ineficaz; compete ao sistema jurídico prescrever quando a invalidade não gera a ineficácia do ato jurídico nulo.

Se um membro da chapa pratica abuso de poder econômico ou político, fraude, uso indevido dos meios de comunicação social, captação ilícita de recursos, gastos indevidos de campanha, etc., por evidente que o seu reconhecimento trará como consequência, dentre outras, da decretação dos votos por ela obtidos. Não se trata de responsabilidade objetiva; a cassação do registro de candidatura ou da diplomação dos membros da chapa decorre da nulidade dos votos dados àquela chapa una e indivisível. O outro membro que não praticou o ato ilícito, embora dele tenha sido beneficiário, não sofrerá os efeitos da cominação de inelegibilidade, cuja sanção é pessoal, sendo intransferível para os demais membros (art.18 da LC 64/90).

A regra geral é a de que a unidade da chapa majoritária leva à unidade de destinos dos seus membros em caso de decretação da nulidade dos votos, não, porém, quanto à sanção de inelegibilidade. Das possíveis exceções a esta regra, trataremos noutra oportunidade. Para que as possamos encontrar, necessitamos de uma reflexão dogmática, manejando a sobrelinguagem da Ciência do Direito.

No caso da eleição presidencial de 2014, por exemplo, tem-se discutido muito o fato de que os gastos de campanha do vice-presidente da República teriam sido realizados por comitê financeiro diverso do comitê da candidata à presidente da República. Tal fato é relevante para a delimitação do âmbito de incidência de eventual sanção de inelegibilidade, na forma do art.18 da LC 64/90. Quanto à nulidade dos votos dados à chapa em decorrência de abuso de poder econômico ou político, por exemplo, tal circunstância da duplicidade de comitês financeiros em nada interfere no destino comum dos membros da chapa: a eventual cassação do mandato eletivo.

Sublinhe-se, portanto: penso que a discussão sobre quem fez os gastos de campanha havidos por ilícitos, ou mesmo sobre quem recebeu recursos provenientes de fontes vedadas ou de modo vedado, é simplesmente inútil sobre o capítulo da cassação de mandato eletivo, tendo importância apenas quanto à aplicação, ou não, da sanção de inelegibilidade. Ali, interessa apenas o resultado vantajoso, bem como a gravidade das circunstâncias, para a nulificação dos votos, sem se ir a fundo na participação direta do candidato (olha-se o benefício ilicitamente obtido e o seu beneficiário, não quem lhe deu causa); aqui, quem praticou efetivamente o ato ou, sendo de autoria de pessoas do entorno da campanha, dele tenha tido conhecimento e concorreu para a sua prática, mesmo que por omissão.

Parece-me que a separação de destinos jurídicos entre os membros da chapa presidencial devem estar assentados em outros fundamentos jurídicos bem distintos.


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