O mercado dos votos

"Voto não tem preço, tem conseqüências". Com essa frase, a Justiça Eleitoral iniciou uma campanha de conscientização da sociedade contra a compra de votos. Porque sabe-se que a transformação de votos em mercadoria é uma realidade preocupante, estimulada por políticos e por lideranças comunitárias. Muitas associações de bairro fazem o enriquecimento das suas lideranças através da cooptação de eleitores, por meio de uma organização profissional e uso dos chamados "ponteiros", que são aqueles que agenciam a compra de votos, aliciando o eleitor.

A máfia da compra de votos vende o seu modus operandi e seus cadastros ao político que der mais. É um negócio escuso com mercado garantido. Vende-se o voto por quantidade certa: cem, quinhentos, mil... Tudo depende de quem vende e de quem compra. O preço sobe na conformidade da quantidade de votos vendidos...

Outra forma de corrupção eleitoral, gravíssima, é aquela com envolvimento de agentes públicos da própria Justiça Eleitoral: o eleitor alista-se pela primeira vez em outro município, levado por cabos eleitorais ou políticos associados a chefes de cartório ou ao próprio juiz eleitoral. O mesmo procedimento é feito em relação às transferências de eleitores. Na véspera da eleição, esses eleitores são transportados para casas alugadas pelo politico interessado, aguardando o dia da votação. Após o voto, o eleitor recebe o seu pagamento e volta ao seu município. Desse modo, vereadores são eleitos sem ter eleitores na própria zona eleitoral em que concorrem. Os mandatos não têm nenhuma legitimidade e o estará a serviço do recebimento, com juros, do investimento feito na compra de votos.

O combate à corrupção eleitoral deve iniciar no processo de alistamento e transferência de eleitores. Os políticos corruptos descobriram que é melhor garantir previamente os seus eleitores, sem a concorrência de outros políticos para comprar-lhes os votos ou mesmo convencê-los de votar com consciência. Sendo eleitores alienígenas, estranhos à comunidade, são serão cooptados nem pelo discurso nem pelo dinheiro de outro candidato. É um investimento de baixo risco, calculam os que usam desses expedientes.

Em cidades dormitórios, essa prática é alarmante. Municípios litorâneos sofrem muito com isso, tendo em vista que naturalmente possuem uma população flutuante. Os eleitores, muitas vezes, estão até em maior número do que os seus próprios habitantes.


Em Alagoas a Polícia Federal desencadeou a "Operação Voto Nulo", com a prisão de um Juiz Eleitoral, um Prefeito eleito, secretários municipais e cabos eleitorais. Como divulgado pela imprensa local (clique aqui), eleitores utilizaram-se de identidades falsas para votar mais de uma vez, inclusive em lugar de eleitores já falecidos. Há suspeitas fortes de envolvimento da Justiça Eleitoral local com a fraude.

Isso demonstra que é necessário a criação de mecanismos mais rígidos de fiscalização dos próprios cartórios eleitorais, de vez que alguns notoriamente têm tido envolvimento com algumas fraudes eleitorais. Mais ainda: é urgente a criação de rodízios dos juízes e promotores eleitorais no período das eleições, sobretudo daqueles que estão muitos anos exercendo as suas funções nas comarcas de interior. Não raro há envolvimento político ou pessoal dessas relevantes autoridades com grupos políticos locais. O rodízio, feito na quinzena anterior ao dia da eleição, seria uma solução muito boa para os agentes públicos sérios, que exerceriam dignamente a sua função em qualquer lugar, e ótima para a população submetida aos maus agentes públicos, que não veriam a sua atuação ilícita desequilibrar o pleito em favor dos seus interesses pessoais.

Enfim, há muito para ser feito, mas a Justiça Eleitoral vem cumprindo um importante papel para o amadurecimento da nossa democracia. Em Alagoas, por exemplo, o Tribunal Regional Eleitoral lançou uma campanha de esclarecimento da sociedade, consorciou-se à OAB e ao Ministério Público para o combate à corrupção eleitoral e manteve laços estreitos com a Polícia Federal. Isso contribuiu muito para o sucesso das eleições. Há, porém, em nível nacional, muita ainda a ser feito. Correições constantes em cartórios eleitorais, rodízio de magistrados e membros do ministério público, rodízio de policiais militares, inteligência policial para combater as organizações criminosas que organizam os cadastros eleitorais... Tudo somado, a nossa democracia se fortalecerá mais ainda.

Deixo aqui uma enquete sobre o tema e, na Comunidade de Eleitoralistas, ponho o tema em discussão no fórum.

Comentários

Martinez disse…
Professor,

Tenho uma dúvida:

Interpretando a legislação eleitoral, showmicio posterior ao pleito eleitoral é permitido? Qual seu entendimento sobre isso?
Unknown disse…
É permitido, porque deixou de ser showmício, no sentido eleitoral. Findo o pleito, não há mais propaganda eleitoral. Poderá haver manifestação pessoal do eleito, com festas e ventos que devem atender o Código de Posturas municipal.
Jomery Nery disse…
Dr. Adriano,
No tocante ao transporte de pessoas conduzidas a um determinado município, sua permanência em uma casa ou local apropriado para recebê-las durante dias anteriores ao pleito e sem direito a locomoção, poderá configurar crime de cárcere privado?
Quanto à mudança de atitude da sociedade organizada, realmente foram dados muitos passos, como exemplo podemos citar os fóruns expositivos organizados pela OAB e pela própria Arquidiocese de Maceió. No entanto, a amplitude destes eventos não contemplou a camada populacional que se torna vítima dos "engodos eleitoreiros", restringindo-se a exposição para grupos específicos.
Concordo quanto à necessidade de um trabalho ainda mais árduo nesta mudança de pensamento e acredito que caminhamos juntos para esta finalidade.
Saudações
Unknown disse…
Jomery, será cárcere privado se houver a impossibilidade de locomoção, criada pelo candidato ou seus cabos eleitorais. No seu texto, leia-se "sem direito à locomoção" como "impedidos de se locomover". Nessa segunda hipótese, sem dúvida haverá cárcere privado.

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