Prestação de contas: processo administrativo e recursos

Nosso leitor André nos faz uma série de indagações e ponderações que merecem análise:

Olá, trabalho com prestação de contas no TRE/PE e infezlimente não pude assistir sua palestra aqui no Recife. Algumas informações, porém, foram me passadas pelos colegas o que me gerou algumas dúvidas:

1) O sr. disse que a prestação de contas é um processo administrativo. Ora, se realmente o é, então porque nao aplicar a Lei 9784/99 ? Se é processo administrativo, então de acordo com a referida lei, deveria ser cabível uma miríade de recursos *ainda no ambito administrativo* e, uma vez constatada a coisa julgada administrativa, poderia-se partir para a esfera judicial! Como se pode admitir processo administrativo sem recurso ainda no ambito administativo? Haveria evidente violação à lei do processo administrativo federal.

2. Um colega me informou que se divulgou que, devido à suposta natureza administrativa do procedimento de tomada de contas, não seria cabível a ampla defesa. Ora, a ampla defesa, não seria cabível qualquer que fosse a natureza do processo (administrativo ou judicial), à luz do que dispõe o art. 5º, LV da CFR/88? A ampla defesa também deveria, ao meu ver, permear todo e qualquer procedimento, seja ele administrativo ou judicial por expressa disposição constitucional.

3) Segundo sua explanação caberia ao TRE "judicializar" o procedimento. Ora, como ocorre esse fênomeno? Então não há que se falar em "recurso" contra a decisão que julga rejeitadas em contas, porque não há processo judicial instaurado. Caberia sim uma ação autônoma impugnativa de ato administrativo (qual seja, a decisao administrativa de rejeição de contas). Onde há a previsão para "recurso" para o TRE? Caberia ao meu ver MANDADO DE SEGURANÇA contra o ato administrativo do juiz. E mais uma vez registro que, sendo processo administrativo, deveria haver possibilidade de recursos ainda na esfera administrativa. E sendo Mandado de Segurança de competência originária do TRE cabível seria R.O. para o TSE. Há alguma viabilidade nesse meu raciocínio?

4) E mais uma dúvida: Um candidato nos procurou na seguinte situação: ele é deputado federal e foi candidato a vice-prefeito pela mesmo partido do candidato a prefeito; perderam a eleição e houve um "racha" no partido de sorte que ele não tem controle sobre o comitê financeiro que vai prestar contas; ele tem certeza que as contas serao rejeitadas e está tentando encontrar algum jeito de não ser responsabilizado pelo ato do comitê, considerando que a rejeicao de contas o tornará inelegível por 4 anos. Soube que houve decisao do TRE/MG que isentou o vice-prefeito de pena no caso em que o prefeito (ou teria sido governador) não prestou contas de modo tempestivo. Há alguma medida que ele possa tomar para se resguardar dos "desmandos" do comite financeiro municipal? Como imputar a ele responsabilidade por um ato jurídico de terceiro (presidente do comite)? Qual o liame jurídico capaz de responsabilizá-lo pelo ato do comitê?

5) E uma última dúvida? A resolução 22715 encerra uma evidente hipótese de suspensão de direitos políticos em conflito com a CFR/88. Isto porque a certidão de quitação eleitoral é, por definição, o instrumento capaz de atestar a regularidade dos direitos políticos. Ao se negar o único meio de prova capaz de comprovar a regularidade dos direitos políticos, estar-se, por via transversa, efetuando uma verdadeira SUSPENSÃO dos direitos. Há também hipótese de inelegibilidade não prevista em Lei Complementar. Não haveria, neste caso, evidente inconstitucionalidade? Como deve se comportar o STF se vier a ser provocado? Dentro da dinamica processual peculiar do procedimento de prestação de contas, existe espaço para o extraordinario em homenagem à inafastabilidade do controle jurisdicional?

Como disse ao André por e-mail, não me manifestei em Recife contrário ao cabimento de recursos no processo administrativo de prestação de contas, ainda mais depois da inovação feita pela Resolução-TSE 22.715, que criou mais uma hipótese de inelegibilidade cominada potenciada, que pode variar de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, a depender do cargo em disputa, em caso de rejeição de contas. Trata-se de uma absurdidade inconstitucional e ilegal, pois desrespeita inclusive a lógica do art.22, § 4º da Lei nº 9.504/97, com a redação que lhe deu a Lei nº 11.300/2006.
O processo de prestação de contas tem natureza administrativa. Não há "ação" processual pedindo a aplicação do direito objetivo ao caso concreto, deduzindo ação, em sentido material. Presta-se contas porque é ônus de quem se candidata justificar em que empregou os recursos públicos ou privados, sempre na conformidade da legislação eleitoral. Quem não se desincumbe deste ônus, não prestando contas, sofrerá os mesmos efeitos de quem, prestando, teve as contas rejeitadas. Hoje, com aquela resolução, submete-se automaticamente, inclusive, à inelegibilidade com a negativa de quitação eleitoral (que, neste caso, não pode ser confundida com uma condição de elegibilidade atípica ou inominada).

Há um procedimento administrativo: os técnicos analisam as contas, através do cartório eleitoral podem pedir diligências para sanear algum ponto ou retirar dúvidas e, ao final, apresentam o seu relatório final, ou seja, um parecer técnico. O Ministério Público é chamado a se manifestar. Eventualmente, poderá o candidato apresentar alguma peça, contestando o parecer apresentado e suprindo ainda algum ponto pendente. Depois, o juiz eleitoral se pronuncia sobre as contas, aprovando-as, com ou sem ressalvas, ou rejeitando-as. Da decisão, caberá recurso inominado ao Tribunal Regional Eleitoral, que apreciará os argumentos das partes. O não-cabimento de recursos significaria a aplicação de sanção severa sem a observância da ampla defesa e do contraditório. Com isso, refuto possa ser o Mandado de Segurança o meio idôneo para impugnar a decisão administrativa que rejeita as contas, salvo em caso de decisão teratológica.

Com issas afirmações, penso ter respondido todos os itens propostos, salvo o 4.

Quanto a este último, se ele não tiver meio de prestar contas por si, deverá acompanhar a prestação de contas do partido e solicitar ao juiz eleitoral providências administrativas para resguardar o seu direito, como a exibição de documentos que indicar, etc.

André volta com outra colocação. Peço a todos que quiserem comentar esse post que o façam aqui e não mais nos anteriores, para facilitar o acompanhamento pelos interessados:

Atento às colocações, gostaria de insistir em alguns pontos para aprofundar a discussão sobre a natureza jurídica do processo de prestação de contas. Conforme bem delimitado pelo 'bloguista', a prestação de contas tem natureza administrativa e o recurso inominado encontra supedâneo no princípio da Ampla Defesa, sem nenhuma previsão legal específica.

A minha dúvida então passa a ser seguinte: se o recurso inominado ao TRE é de natureza administrativa, então acredito ser possível, uma vez terminada a via administrativa, com o recurso ao TRE, ingressar na via judicial. Meu grande problema é, em poucas palavras, encontrar o limite exato entre a seara adminitrativa e judicial.

Apoiando-me em seu raciocínio, entendo que a decisao recursal do TRE é um autêntico recurso dentro do processo administrativo. Assim, uma vez publicada a decisao TRE, caberia agora ingressar na via judicial. Sendo decisão administrativa do Pleno do TRE, ao meu ver, seria cabível Mandado de Segurança contra a decisao *administrativa*. Repito então a dúvida: em que ponto termina a esfera administrativa e começa a judicial? É sabado que a decisão administrativa imutável pode ser a porta de entrada à esfera judicial.

E uma dúvida persiste: em havendo violação à constituição (como de fato haverá, já que a penalidade é escandalosamente inconstitucional), como recorrer ao STF?? É crucial se determinar a natureza do processo de prestação de contas para, inclusive, pavimentar a via recursal. Creio que se isso não for pacificado, somente a jurisprudência poderá dar a palavra final e, logicamente, a depender do teor de algumas decisões, resultará em danos irreparáveis aos candidatos cujos advogados terão dúvidas sobre quais instrumentos jurídicos adequados poderão manejar.


André, as funções da Justiça Eleitoral são complexas: administrativa, judicial e legiferante. A decisão sobre prestação de contas, em processo administrativo, não mais se judicializará, salvo se houver alguma absurdidade que gere o manejo de Mandado de Segurança para o próprio Tribunal. O fundamental é que, de fato, os meios de defesa são estreitos, o que gera um prejuízo para os candidatos que tenham as suas contas rejeitadas. Assim, o Mandado de Segurança será o remédio de uso possível em caso de flagrante ilegalidade na apreciação das contas.

O mesmo pode ser dito em caso de negativa de outorga da certidão de quitação eleitoral. Caberá MS, com a discussão da inconstitucionalidade da norma criada pelo TSE: o ato administrativo do juiz seria ilegal, porque o seu fundamento de validade estaria viciado. Assim, poder-se-ia chegar ao STF para discutir, por via difusa, a sua patente inconstitucionalidade. Por via concentrada, só através dos legitimados para a ADin.

Comentários

Unknown disse…
Gostaria de saber se, ainda antes de ser dado o parecer judicial sobre a aprovação ou não das contas, o partido político pode requisitar (e a quem) a abertura de investigação, tendo em vista que os doadores da campanha, em grande parte, provavelmente excederam os 10% permitidos por lei.

Não se tem certeza em relação a estes dados mas há fortes indicios de que estes limites foram extrapolados.

Como solicitar que o Juiz Eleitoral peça informações à Receita? O Juiz poderia se negar a isto?


Agradeço a atenção
claudiafux@bol.com.br
exupery disse…
...
gostaria de saber o seguinte:
o juiz aprovou a prestaçao de contas.
no entanto, existem inúmeras irregularidas, inclusive, insanáveis. Mesmo assim existiu aprovaçao.

CABE REPRESENTAÇAO ELEITORAL COM PEDIDO DE LIMINAR PARA NEGAR O DIPLOMA, NO SENTIDO DE DIPLOMAR O 2o COLOCADO?

CABE AIJE COM PEDIDO DE LIMAR P NAO DIPLOMAR O CANDIDATO ELEITO, NO SENTIDO DE DIPLOMAR O 2o COLOCADO?

GRATO
schinydercardozo@hotmail.com
Unknown disse…
Caro Professor Adriano, boa noite;
Gostaria de lhe parabenizar pelo excelente blog e pelos livros publicados.
Vejamos a situação hipotécatica: Se os gastos de uma campanha majoritária forem todos efetuados via Comite Financeiro, sendo que a conta específica destinada a movimentação do candidato a prefeito não foi movimentada, sendo que no momento da prestação de contas o Comite Financeiro assumiu alguns débito em aberto, mas com relação a prestação de contas do candidato a mesma foi entregue com a contabilidade zerada, afirmando que o mesmo arrecadou x e gastou x.
PERGUNTO: 1- O Comite Financeiro pode assumir passivos de campanha ?
2- Isso poderia inviabilizar a prestação de contas do candidato, deixando, no futuro, inelegível ?
3- Se as contas do Comite Financeiro forem rejeitadas, AUTOMATICAMENTE, as contas do candidado a prefeito serão rejeitadas ?
Saudações
Anônimo disse…
Ilmo. Professor Adriano,

Visitei o seu blog sobre o tema de prestações de conta de campanha.
Parabenizo-lhe pelos excelentes comentários ali contidos.
E é sobre este assunto o motivo do meu contato.
Nas eleições próximas passadas, um amigo meu registrou sua candidatura a vereador. Ocorre, que 30 dias após o registro de sua candidatura, ele desistiu de ser candidato, e comunicou por escrito ao cartório eleitoral. Portanto, como desistiu da candidatura, não houve gastos de campanha, e muito menos movimentação financeira. Por esse motivo, não abriu a conta corrente de candidato no Banco do Brasil.
Dentro do prazo legal,fez sua prestação de contas negativa, anexando o pedido de desistência da candidatura e inclusive uma certidão expedida pelo Banco do Brasil de que não havia aberto conta bancária e que não havia feito movimentação financeira.
Ocorre que o técnico do cartório eleitoral deu um parecer desaprovando as contas pelo motivo de não ter aberto a conta bancária específica para candidato. Este parecer foi acompanhado pelo Ministério Público e pelo juiz.
Como pode ser reprovada a prestação de conta de alguém que não fez movimentação financeira de campanha, pois nem candidato continuou sendo, visto sua desistência? O que fazer nesse caso?
Ele foi notificado da decisão na sexta feira, 31/08/2009.
Agradeço imensamente se puder nos ajudar na solução deste caso.
Aguardo seu retorno o mais breve possível, tendo em vista o prazo recursal.
Grato pela vossa atenção.
Cordialmente,

Luiz Rocha Filho
Unknown disse…
Quanto ao comentário de André, em relação ao qual o professor asseverou não ser cabível o Mandado de Segurança, exceto no caso de decisões teratológicas, quero crer que André cogitou a situação em que o processo administrativo de prestação de contas é julgado pelo TRE em grau de recurso, que lhe nega provimento. Assim, esgotada a via administrativa, não mais caberia qualquer recurso ao TSE, conforme entendimento pacificado pela mais alta corte Eleitoral (o que o legislador pretendeu mudar com a reforma eleitoral - Lei 12034), de maneira que seria cabível apenas o Mandado de Segurança para o próprio TRE, entendendo o candidato que este teria direito líquido e certo à aprovação das contas, jurisdicionalizando, dessa forma, a questão e possibilitandoa apreciação da matéria pelo TSE, em grau recursal. Então, nesse caso, não seria realmente possível o Mandado de Segurança e a apreciação da matéria, inicialmente administrativa, pelo TSE?
Outra coisa, a lei 12034 tem o poder de alterar a natureza jurídica do procedimento de prestação de contas, que passaria de administrativo para jurisdicional? Entendo que não, pois há um limite material à força jurígena da Lei, pois esta não pode alterar natureza jurídica de institutos.
Parabéns pelo blog!
Anônimo disse…
Fui candidato a vereador em 2008, minhas contas foram reprovadas. apresentei uma das prestações parciais no dia correto, porém o disco estava com o arquivo corrompido, entreguei no dia seguinte sob orientação do atendente do cartorio eleitoral, mas na prestação final foi dito que não prestei a parcial no dia correto. Outro fator foi que perdi uma das NF que cmprovavam meu gasto de R$ 2500 e enão fiquei sem saber na época como proceder, e mais outro fator é que entreguei os recibos eleitorais que havia recebido do partido e o cartorio disse que eram incompativeis as numerações que o partido declarou....enfim, foram estes os fatores que levaram a reprovação,....PERGUNTO: terei problemas para concorrer novamente as eleições em 2012?
Sérgio disse…
GOSTARIA A PRINCÍPIO ELOGIAR ESTE BLOG.
GOSTARIA DE SABAR SE UM CANDIDATO A VEREADOR QUE TEVE SUAS CONTAS REPROVADAS, ENTROU COM RECURSO ESPECIAL E TEVE O AGRAVO DE INSTRUMENTO NEGADO, PORÉM ELE FOI DIPLOMADO E AINDA EXERCE A VEREANÇA.
ESTE VEREADOR PODERÁ SER CANDIDATO NAS ELEIÇÕES DE 2012 OU ELE NÃO PODERÁ CONCORRER POR TER UMA NEGATIVA DO TRE EM RELAÇÃO AO RECURSO ESPECIAL QUE FOI NEGADO PROVIMENTO.

SERGIO
Anônimo disse…
Gostaria de saber se em caso do candidato que não prestou contas e as mesmas foram julgadas não prestada, em relação a eleição de 2010. E nesse processo a citação/notificação foi inválida, qual instrumento judicial cabivel para atacar o acórdão do tre por eivado de vício...há o contraditório..ampla defesa no processo que julga as contas não prestadas, o instrumento processual seria uma açã declaratória de inexistência processual

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