Decisão monocrática no TSE afirma que inelegibilidade é norma de direito estrito

Em interessante decisão, o Min. Arnaldo Versiani reafirma que a inelegibilidade não seria uma sanção, mesmo contrariamente à expressa dicção legal, porém as normas sobre inelegibilidade seriam de direito estrito. Como sempre, nenhuma das duas importantes afirmações mereceu uma justificativa: ambas foram feitas ad hoc. Segue o inteiro teor da decisão, com três notas apostas por mim, em pontos fundamentais, apenas para provocar uma reflexão sobre o tema.


RECURSO ORDINÁRIO N° 3870-38.2010.6.13.0000 - BELO HORIZONTE - MINAS GERAIS.

Recorrente: Wellington Gonçalves de Magalhães.

Recorrido: Ministério Público Eleitoral.

DECISÃO

O Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais, por unanimidade, julgou procedente ação de impugnação formulada pelo Ministério Público Eleitoral e indeferiu o pedido de registro de candidatura de Wellington Gonçalves de Magalhães, candidato ao cargo de deputado estadual (fls. 73-82).

Eis a ementa do acórdão regional (fl. 73):

Registro de candidatura.Deputado Estadual. Eleições 2010. Ação de impugnação de Registro de Candidatura - AIRC. Condenação por órgão colegiado em abuso de poder econômico.

Aplicação da Lei da Ficha Limpa para as eleições 2010. Precedente do Tribunal Superior Eleitoral e do Supremo Tribunal Federal. Constitucionalidade. Quem teve seu mandato cassado em ação em que se apurou abuso de poder econômico está inelegível.

Impugnação procedente.

Registro indeferido.

Seguiu-se a interposição de recurso ordinário (fls. 88-97), no qual o candidato alega ofensa aos arts. 467 e seguintes do Código de Processo Civil, bem como ao art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal.

Defende ser elegível, porquanto não lhe foi aplicada sanção de inelegibilidade na Ação de Impugnação de Mandato Eletivo nº 7.367, utilizada para fundamentar a procedência da ação de impugnação de registro de candidatura, conforme expressamente consignado no voto condutor da referida demanda.

Aponta que não houve interposição de recurso contra a referida decisão, razão pela qual existe coisa julgada material quanto a não aplicação da sanção de inelegibilidade.

Sustenta que a Lei Complementar nº 135/2010 não pode incidir em relação a ele, já que a lei não prejudicará a coisa julgada.

Afirma que a condenação por abuso do poder econômico não gera inelegibilidade, uma vez que a LC nº 135/2010 não alcança as eleições de outubro de 2010, invocando o art. 16 da Constituição Federal.

Assinala que a alteração da alínea g do inciso I da Lei Complementar nº 64/90 foi introduzida pela LC nº 135/2010, motivo pelo qual é inaplicável à eleição deste ano, bem como seria inconstitucional o art. 5º deste diploma, o qual estabelece que as disposições desta lei complementar entram em vigor na data de sua publicação.

Ressalta que, apesar das decisões proferidas por esta Corte nas respostas às Consultas nos 1120-26 e 1147-09, que concluíram pela incidência imediata da norma, tal matéria é constitucional e a última palavra se insere na competência do Supremo Tribunal Federal.

Argui que a matéria é controversa, tal como ocorreu em questão análoga por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário nº 129.392.

Argumenta que deve ser aplicada a antiga redação da alínea g do inciso I da LC nº 64/90, razão pela qual deve ser julgada improcedente a impugnação.

Acrescenta que, "frente ao conteúdo do art. 5º, inc. XXXIX e XL, CF, parece óbvio que a ampliação dos prazos de inelegibilidade introduzida pelos dispositivos modificados não alcança os processos pendentes, aos quais, por óbvio, deve ser aplicada a legislação que vigorava no momento em que proferida a decisão condenatória: no caso, deverão ser observados os arts. 15, e 22, XIV, LC 64/90, nas suas antigas redações, vale dizer, a inelegibilidade - pelo prazo de 3 (três) anos - tem por pressuposto o trânsito em julgado da respectiva condenação" (fl. 97).

O Ministério Público Eleitoral apresentou contrarrazões às fls. 110-115.

A Procuradoria-Geral Eleitoral opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 120-123).

Decido.

A despeito das questões suscitadas pelo candidato no que tange à impossibilidade de aplicação imediata da Lei Complementar nº 135/2010 e sua incidência em relação a fatos pretéritos, examino, desde logo, a hipótese de inelegibilidade reconhecida pelo Tribunal Regional Eleitoral no caso concreto.

A Corte de origem indeferiu o pedido de registro, considerando que o candidato teve mandato cassado em ação de impugnação de mandato eletivo, por abuso do poder econômico, razão pela qual está inelegível, com base no art. 1º, I, d, da LC nº 64/90.

Colho do voto condutor (fls. 81-82):

Apesar de não ser sancionado com a declaração de inelegibilidade, uma vez que em ação de impugnação de mandato eletivo - AIME não há previsão de se aplicar tal sanção, o impugnado se encontra inelegível para o pleito de 2010.

Isso porque, ele teve o mandato cassado pelo plenário do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais por abuso de poder econômico, não havendo nos autos qualquer informação sobre decisão que suspenda tal determinação. Além disso, a Lei da Ficha Limpa, que alterou a Lei Complementar n° 64, de 18/5/1990 (Lei de Inelegibilidade) prevê, em tais, casos, o impedimento de o candidato com representação julgada procedente em segunda instância, por abuso de poder econômico, de se candidatar para a eleição na qual concorreu ou tenha sido diplomado, bem como os pleitos eleitorais que se realizarem nos oito anos seguintes, por estar inelegível. Anote-se que a inelegibilidade se opera aqui por i determinação legal (ex lege). Veja-se:

`Art. 1º. São inelegíveis:

I - para qualquer cargo:

(...)

d) os que tenham contra sua pessoa representação julgada procedente pela justiça Eleitoral, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado, em processo de apuração de abuso do poder económico ou político, para a eleição na qual concorrem ou tenham sido diplomados, bem como para as que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes¿.

Em que pese esse entendimento, tenho que assiste razão ao candidato quanto à não incidência da respectiva inelegibilidade.

De fato, a citada alínea d alude expressamente à hipótese de "representação julgada procedente pela Justiça Eleitoral" por abuso do poder econômico ou político, ou seja, processo de natureza específica.

Tal inelegibilidade se relaciona com a sanção prevista no art. 22, XIV, da LC nº 64/90, in verbis:

Art. 22.

(...)

XIV - julgada procedente a representação, ainda que após a proclamação dos eleitos, o Tribunal declarará a inelegibilidade do representado e de quantos hajam contribuído para a prática do ato, cominando-lhes sanção de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subseqüentes à eleição que se verificou, além da cassação do registro ou diploma do candidato diretamente beneficiado pela interferência do poder econômico ou pelo desvio ou abuso do poder de autoridade ou dos meios de comunicação, determinando a remessa dos autos ao Ministério Público Eleitoral, para instauração de processo disciplinar, se for o caso, e de ação penal, ordenando quaisquer outras providências que a espécie comportar. (grifo nosso).

Embora tenha como imprópria a referência a "sanção de inelegibilidade", pois inelegibilidade não constitui sanção, nem pena,
[nota 1: o Ministro litiga com o texto da LC 135, que chama a inelegibilidade pelo nome: sanção! De modo ad hoc afirma que não é ela pena, mesmo com o enunciado prescritivo afirmando o contrário] certo é que tanto o inciso XIV do art. 22, quanto a alínea d, mencionam como causa da inelegibilidade a procedência, exclusivamente, de "representação".

No caso, porém, a condenação do candidato por abuso do poder econômico, em segunda instância, ocorreu em sede de ação de impugnação de mandato eletivo, segundo se infere da cópia do acórdão (fls. 36-55), e não de representação.[nota 2: A decisão faz uma confusão entre o plano material e o processual: ao fato ilícito do abuso de poder econômico deve-ser a sanção de inelegibilidade. Essa é uma regra de direito material. Qual o remédio cabível? Afirma o plano processual: a representação ou a AIME, sendo essa última de escalão constitucional. A interpretação dada nesta decisão afasta, mais uma vez, a sanção da inelegibilidade do abuso de poder econômico em razão do remédio jurídico utilizado].

Sendo assim, somente por interpretação ampliativa é que se poderia estender a hipótese da alínea d a outros casos que não os de representação, inclusive aos de ação de impugnação de mandato eletivo.

Acontece que, por se tratar de norma de caráter restritivo, como o são as normas que regem as inelegibilidades, não se pode estender a inelegibilidade da alínea d aos casos de procedência de ação de impugnação de mandato eletivo.[nota 3: se a inelegibilidade não é uma sanção, mas uma condição (?!), por que a interpretação das normas que a prescrevem haveriam de ser restritivas?]

Sobre o tema, destaco a ementa do seguinte julgado:

INELEGIBILIDADE - DISCIPLINA - NATUREZA DAS NORMAS - ABUSO DO PODER ECONÔMICO E POLÍTICO. As normas regedoras das inelegibilidades são de direito estrito, descabendo a adoção de forma interpretativa que importe em elastecer-lhes o teor. A inelegibilidade da alínea `d¿ do inciso I do artigo 1º da Lei Complementar nº 64/90 pressupõe que se trata de eleições pretéritas ou futuras, o trânsito em julgado do provimento emanada da Justiça Eleitoral, que, no bojo de representação, haja implicado o lançamento ao mundo jurídico da ocorrência de abuso do poder econômico ou político. Não há como dissociar a regra insculpida no inciso XIV do artigo 22 da Lei Complementar nº 64/90 da condição imposta na referida alínea `d¿. (Recurso Especial Eleitoral nº 12.236, rel. Min. Marco Aurélio, de 26.8.1994, grifo nosso).

Lembro que a hipótese de inelegibilidade da alínea d não constitui inovação trazida pela LC nº 135/2010, mas teve sua redação apenas alterada, elevando-se o respectivo prazo de inelegibilidade e estabelecendo sua caracterização também diante da existência de decisão proferida por órgão colegiado, e não mais apenas com o trânsito em julgado da decisão na AIJE.

Como aduziu o Ministro Marco Aurélio no julgamento do citado Recurso nº 12.236, "as normas relativas à inelegibilidade são de direito estrito e que, portanto, hão de ser observadas tal como se contêm, vedado o recurso a métodos de interpretação e aplicação que acabem por agasalhar casos a elas estranhos".

É de se notar, por fim, que diversa é a nova hipótese de inelegibilidade da alínea j do inciso I art. 1º da LC nº 64/90, introduzida pela LC nº 135/2010, pois menciona tão-só "os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado da Justiça Eleitoral, por corrupção eleitoral, por captação ilícita de sufrágio, por doação, captação ou gastos ilícitos de recursos de campanha ou por conduta vedada aos agentes públicos em campanhas eleitorais que impliquem cassação do registro ou do diploma, ...", sem a indicação de processo eleitoral de natureza específica, ao contrário do que ocorre com relação à alínea d.

Diante dessas considerações, dou provimento ao recurso ordinário, com base no art. 36, § 6º, do Regimento Interno do Tribunal, para deferir o pedido de registro de Wellington Gonçalves de Magalhães ao cargo de deputado estadual.

Publique-se em sessão.

Intimem-se.

Brasília, 12 de agosto de 2010.

Ministro Arnaldo Versiani

Comentários

Ana Paula disse…
Nossa! Que decisão esdrúxula! Eu fico a imaginar que esse pessoal subestima nossa inteligência.

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