Tribunal Superior Eleitoral e ausência de competência para cassar chapa presidencial

As várias ações propostas contra a candidatura presidencial que tramitam no Tribunal Superior Eleitoral suscitam temas jurídicos que não vêm tendo tratamento adequado na doutrina. Os poucos pronunciamentos que foram feitos até agora reproduzem o mesmo paradigma da jurisprudência que vem sendo seguida atualmente pela Justiça Eleitoral. A primeira coisa a fazer para se dar um tratamento adequado ao que se passa nas eleições presidenciais é colocar entre parênteses tudo quanto vem sendo construído, com idas e vindas, na tradição jurisprudencial e repensar as questões postas sob outro prisma.

Um primeiro problema que vem sendo negligenciado diz respeito à competência do Tribunal Superior Eleitoral para processar e julgar o pedido de cassação do mandato eletivo presidencial. Houve apenas um parecer, indigno desse nome, emitido por Dalmo de Abreu Dallari sustentando que faleceria ao TSE competência para cassar a chapa presidencial. Em uma articulação argumentativa pedestre, sem maiores e melhores fundamentos, afirmou pura e simplesmente que a cassação do mandato pelo TSE não consta das hipóteses previstas na Constituição Federal para o afastamento da presidente. "O artigo 85 da Constituição dispõe, especificamente, sobre as hipóteses de cassação do mandato do presidente da República e ali não se dá competência ao Tribunal Superior Eleitoral para decidir sobre a cassação", escreve Dallari.
[1] IN: http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2015/10/07/tse-nao-tem-poder-para-cassar-mandato-de-dilma-diz-jurista-dalmo-dallari.htm

A afirmação, que nem tese é, foi prontamente rebatida por eleitoralistas e constitucionalistas, tendo ganhado maior divulgação o pronunciamento de Ives Gandra da Silva Martins, que limitou-se a reafirma a competência da Corte: "O TSE tem obrigação [de ver essas questões], se não, a corte não teria função nenhuma. O TSE pode anular [uma eleição] com a maior tranquilidade, a Corte tem competência para isso. A função do tribunal é saber se o cidadão pode ou não assumir e se o processo foi ou não devido, de maneira que está na sua competência verificar se a campanha foi ilegal ou não".
[2] IN: http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2015/10/07/tse-tem-competencia-para-anular-eleicao-se-comprovar-corrupcao-diz-ives-gandra.htm

No fundo, a bem de ver, não houve uma discussão jurídica sobre o ponto, sendo as afirmações assentadas no vácuo dogmático, flutuando no único argumento de autoridade que se apresentou: "Eu penso que...", e nada mais. Não se ultrapassou o umbral das meras opiniões para o ambiente exigente da exposição de dogmática jurídica.

Na verdade, a única norma constitucional que poderia ser invocada para conceder competência à Justiça Eleitoral, inclusive em eleições presidenciais, é o § 10 do art. 14 da CF/88, cuja redação é de todos conhecida:
[3] Art. 14. § 10 - O mandato eletivo poderá ser impugnado ante a Justiça Eleitoral no prazo de quinze dias contados da diplomação, instruída a ação com provas de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude.

Essa é uma das normas mais problemáticas veiculadas pela Constituição Federal, cuja aplicação apenas se tornou possível por meio de um ingente esforço teórico, que partiu de uma negativa eloquente exposta em parecer de Fábio Konder Comparato até chegar a uma construção dogmática proposta por mim, em 1996, no livro Direito processual eleitoral, que hoje é a obra Instituições de direito eleitoral, chegando agora em sua 10ª edição. Após essa construção dogmática, mais recentemente o TSE definiu um rito, que sequer existia previsto no sistema jurídico.

Agora, o tema deve voltar à reflexão dos estudiosos, numa dimensão bem mais funda e sob uma ótica absolutamente nova: as eleições presidenciais. É isso que tenho feito e, no futuro, exporei detalhadamente as razões pelas quais compreendo falecer ao Tribunal Superior Eleitoral competência para processar e julgar a chapa presidencial com a finalidade de cassar o mandato dos eleitos.

O que provoco aqui é a necessidade da comunidade jurídica voltar-se sobre o tema com toda a seriedade metódica e dogmática por ele exigida. Aqui não é lugar para o "eu acho que...", "eu penso que...", e que tais. Não se faz ciência jurídica como quem conversa entre amigos sobre o assunto do momento. Aqui, a exigência epistemológica é outra e exige de todos nós a seriedade dos que vão além da mera doxa.

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