Tocantins: mais um governador de Estado degolado
Mais um governador de Estado cassado: desta vez, Tocantins terá uma mudança traumática em seu processo político. Na Folha Online (aqui):
Quem viu a leitura do voto do relator, Min. Félix Fischer, não pode deixar de se impressionar com o teor da acusação e dos fatos provados: em um Estado pobre, o candidato à reeleição distribuiu no ano eleitoral mais de 80 mil óculos para a população carente, além de outros bens e serviços. A falta de critérios para a distribuição daqueles bens, o período eleitoral, o volume dos beneficiários, enfim, tudo isso contribuiu para a decisão unânime do TSE.
Não tenho dúvidas do acerto da decisão. O voto do relator foi feito com esmero, detalhando o que havia de relevante nos autos, afastando as questões estranhas ao direito eleitoral (mais afetas à suposta improbidade administrativa), desbastando excessos e se apegando ao que realmente importava.
Deixou de lado a qualificação dos fatos como condutas vedadas aos agentes públicos, de resto não cabível em sede de recurso contra a expedição de diploma (RCD), para tratá-los como abuso de poder econômico, qualificado pela sua potencialidade para desequilibrar o pleito em favor do candidato à reeleição. Ao mudar o âmbito jurídico do debate sobre a res deducta, o relator não inovou a causa, dando à causa de pedir qualificação jurídica própria, consoante o princípio "da mihi factum, dabo tibi jus" ("Dai-me o fato que eu te dou o direito), corolário do princípio jura novit Curia.
Faço aqui apenas uma rápida observação sobre um obter dictum do Min. Arnaldo Versiane. Segundo ele, programas de governo que tenham por objetivo distribuir bens ou serviços às camadas carentes da população podem ser reputados ilícitos, independentemente do período da sua constituição ou da sua execução, bastando para isso ter caráter de promoção do governante. E o exemplo por ele dado é merecedor de preocupação: ainda que o programa fosse instituído no primeiro ano de mandato, se a Justiça Eleitoral entendesse que a sua finalidade seria aquela promoção pessoal, independentemente de ser realizado no ano eleitoral, poderia gerar consequências jurídicas negativas para o gestor público.
Segundo penso, há excesso nessa compreensão. Eventuais abusos cometidos em período estranho ao ano eleitoral poderá ser objeto de ação de improbidade por quebra do princípio da impessoalidade, não tendo percussão eleitoral. Ademais, se o programa governamental de distribuição de bens ou serviços for instituido por lei, tiver critérios objetivos de concessão aos beneficiários carentes e estiver inserido em uma política governamental claramente posta, não há falar em ilicitude. O que não se pode aceitar é a distribuição de bens e serviços sem critérios claros, sem que haja previamente estudos sobre a real necessidade dos beneficiários e, tanto pior, em que apenas os indicados pelo governante de plantão, através de critérios meramente políticos ou pessoais, sejam os beneficiados.
De toda a sorte, o julgamento de ontem foi exemplar e quebra a lógica segundo a qual "feio em eleição é perder", em que os candidatos ingressam em um vale-tudo sem assessoramento jurídico, gerando uma situação tão grave que se torna impossível a manutenção deles nos mandatos para os quais foram eleitos abusivamente. O TSE deu uma bela lição, ontem, mas ao mesmo tempo deixa claro que a Justiça Eleitoral poderia melhor usar o seu poder de polícia, impedindo preventivamente eventuais abusos e evitando, com isso, essas cassações tão traumáticas para a vida democrática de um Estado da federação.
O governador do Tocantins, Marcelo Miranda (PMDB) e seu vice, Paulo Antunes (PPS), tiveram seus mandatos cassados em sessão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) encerrada na madrugada desta sexta-feira (26), que julgou acusações de prática de abuso de poder econômico, compra de votos, conduta proibida a agente público e uso indevido dos meios de comunicação social nas eleições de 2006. Os ministros, por unanimidade, seguiram o voto do relator, o ministro Felix Fischer.Pela decisão dos ministros, a sucessão de Miranda e seu vice será por eleição indireta, de acordo com o artigo 81 da Constituição Federal. No entanto, isso só ocorrerá depois do julgamento de eventuais recursos apresentados ao TSE.O recurso contra o governador do Tocantins, Marcelo Miranda, e o seu vice foi apresentado pelo tucano Siqueira Campos, segundo colocado na disputa estadual e ex-aliado de Miranda.Na ação, Siqueira Campos afirmou que o peemedebista utilizou o programa social "Governo Mais Perto de Você" sem a autorização legislativa e previsão orçamentária para distribuir recursos públicos a eleitores por meio de benefícios, bens, brindes, prêmios, casas, óculos, cestas básicas, realização de consultas médicas, entre outros itens.Siqueira Campos sustentou ainda que Marcelo Miranda utilizou a máquina pública para criar cargos, fazer nomeações irregulares e movimentar servidores públicos estaduais, violando a legislação eleitoral.
O julgamento: acusaçãoA acusação contra o governador elencou no julgamento uma série de irregularidades supostamente cometidas pelo governador durante a campanha eleitoral. Afirmou que o então candidato doou mais de cinco mil lotes em período eleitoral, distribuiu cheques-moradia com finalidade eleitoreira e criou mais de 35 mil cargos comissionados que foram, posteriormente, declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal (STF).O advogado de acusação sustentou ainda que o governador firmou convênios e transferiu recursos para municípios e entidades privadas em período vedado e abusou do uso de veículo de comunicação, permitindo que a rede oficial do estado transmitisse ao vivo as ações do governo por meio do programa "O governo mais perto de você".
Quem viu a leitura do voto do relator, Min. Félix Fischer, não pode deixar de se impressionar com o teor da acusação e dos fatos provados: em um Estado pobre, o candidato à reeleição distribuiu no ano eleitoral mais de 80 mil óculos para a população carente, além de outros bens e serviços. A falta de critérios para a distribuição daqueles bens, o período eleitoral, o volume dos beneficiários, enfim, tudo isso contribuiu para a decisão unânime do TSE.
Não tenho dúvidas do acerto da decisão. O voto do relator foi feito com esmero, detalhando o que havia de relevante nos autos, afastando as questões estranhas ao direito eleitoral (mais afetas à suposta improbidade administrativa), desbastando excessos e se apegando ao que realmente importava.
Deixou de lado a qualificação dos fatos como condutas vedadas aos agentes públicos, de resto não cabível em sede de recurso contra a expedição de diploma (RCD), para tratá-los como abuso de poder econômico, qualificado pela sua potencialidade para desequilibrar o pleito em favor do candidato à reeleição. Ao mudar o âmbito jurídico do debate sobre a res deducta, o relator não inovou a causa, dando à causa de pedir qualificação jurídica própria, consoante o princípio "da mihi factum, dabo tibi jus" ("Dai-me o fato que eu te dou o direito), corolário do princípio jura novit Curia.
Faço aqui apenas uma rápida observação sobre um obter dictum do Min. Arnaldo Versiane. Segundo ele, programas de governo que tenham por objetivo distribuir bens ou serviços às camadas carentes da população podem ser reputados ilícitos, independentemente do período da sua constituição ou da sua execução, bastando para isso ter caráter de promoção do governante. E o exemplo por ele dado é merecedor de preocupação: ainda que o programa fosse instituído no primeiro ano de mandato, se a Justiça Eleitoral entendesse que a sua finalidade seria aquela promoção pessoal, independentemente de ser realizado no ano eleitoral, poderia gerar consequências jurídicas negativas para o gestor público.
Segundo penso, há excesso nessa compreensão. Eventuais abusos cometidos em período estranho ao ano eleitoral poderá ser objeto de ação de improbidade por quebra do princípio da impessoalidade, não tendo percussão eleitoral. Ademais, se o programa governamental de distribuição de bens ou serviços for instituido por lei, tiver critérios objetivos de concessão aos beneficiários carentes e estiver inserido em uma política governamental claramente posta, não há falar em ilicitude. O que não se pode aceitar é a distribuição de bens e serviços sem critérios claros, sem que haja previamente estudos sobre a real necessidade dos beneficiários e, tanto pior, em que apenas os indicados pelo governante de plantão, através de critérios meramente políticos ou pessoais, sejam os beneficiados.
De toda a sorte, o julgamento de ontem foi exemplar e quebra a lógica segundo a qual "feio em eleição é perder", em que os candidatos ingressam em um vale-tudo sem assessoramento jurídico, gerando uma situação tão grave que se torna impossível a manutenção deles nos mandatos para os quais foram eleitos abusivamente. O TSE deu uma bela lição, ontem, mas ao mesmo tempo deixa claro que a Justiça Eleitoral poderia melhor usar o seu poder de polícia, impedindo preventivamente eventuais abusos e evitando, com isso, essas cassações tão traumáticas para a vida democrática de um Estado da federação.
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