Criminalizando os doadores e as doações eleitorais

Venho afirmando aqui que o cerco aos doadores nas eleições é uma atitude equivocada e tende a criminalizar a política e o processo eleitoral. Agora, o problema começa a ganhar uma dimensão inesperada, segundo reportagem de hoje do Estadão (assinantes leem aqui):

Por Roberto Almeida, no Estadão:
Em meio a discussões sobre o financiamento público de campanha no Congresso, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em conjunto com a Receita Federal, iniciou no mês passado uma cruzada contra doações acima do limite legal. Enviou relatório às Procuradorias Regionais Eleitorais de todo o País, que confirmaram irregularidades e já ajuizaram 3.984 representações contra empresas e pessoas físicas que contribuíram com candidatos e partidos nas eleições de 2006.
O argumento central dos processos tem como base os artigos 23 e 81 da Lei Eleitoral, segundo os quais empresas não podem doar para candidatos valor acima de 2% de seu faturamento no ano anterior. No caso de pessoas físicas, o valor não pode ultrapassar 10% dos rendimentos declarados no Imposto de Renda. O resultado das representações pode render milhões em multas, que serão encaminhadas aos fundos partidários e à própria Justiça Eleitoral.

Ora, muitos serão os contribuintes sancionados em representações eleitorais, porque teriam doado acima dos limites permitidos na legislação, tendo em vista a declaração do imposto de renda do ano-base anterior às eleições. Ou seja, a Justiça Eleitoral quebra o sigilo fiscal dos doadores, em um trabalho conjunto com a Receita Federal, para lhes aplicar uma multa de natureza eleitoral por ter doado além do que lhe seria permitido.

O Tribunal Superior Eleitoral, ao estimular essa caça aos doadores - que não sonegaram informações nem fizeram doações não-contabilizadas -, terminará estimulando o uso de meios escusos para as doações, que passarão a ser vistas como fontes de problemas e risco de devassa fiscal. Doar será uma atitude perigosa em campanhas eleitorais...

Reinaldo Azevedo, jornalista e blogueiro da Veja, não é jurista, não tem formação jurídica, mas tem bom senso e inteligência suficiente para ver o risco evidente que essas medidas rigorosas terminam por causar à própria democracia. Diz ele (aqui):

Toda essa coisa que está sendo chamada de “rigor” vai, na forma dada, acabar contribuindo para… o caixa dois! Se fazer uma doação de campanha corresponde a expor-se à quebra de sigilo fiscal e à abertura de uma investigação na empresa, com multa de até 10 vezes o valor doado, então correr o risco pra quê? Ademais, é preciso ver se procuradores eleitorais são realmente os mais habilitados para apurar dados que são de natureza fiscal.

“Ah, não quer que investigue”. Será? Aplicar multa de R$ 50 milhões numa empresa que doou R$ 5 milhões tem o objetivo de coibir doação acima do limite ou de quebrar a empresa? A resposta está dada na própria pergunta.

Não há nada que empurre mais uma sociedade para a ilegalidade do que o rigor destrambelhado. Os procuradores decidiram ser os Torquemadas do processo eleitoral. Na ânsia de disciplinar tudo o que está à sua volta, acabarão empurrando os doadores para a ilegalidade mesmo, para o caixa dois.

Ora, a evidência do que digo é dada pelos fatos: quem doou por fora e não deixou registro nenhum, a esta altura, está tranqüilo. É preciso ver se esse número absurdo de ações indica que o processo todo está mesmo eivado de ilegalidades ou se há um problema de, digamos, falta de ponderação de quem avalia.


Essa análise é patente, trivial e vulgar. De tão óbvia, impressiona que o TSE não perceba o que está sendo feito na prática: empurrar os doadores para a ilegalidade e para o risco econômico de perdas severas em pagamentos de multas eleitorais onerosas. Se essa for a lógica, tanto pior, porque o que se quer, então, é impor pela força o regime de doações exclusivamente públicas para as campanhas eleitorais, inibindo as empresas privadas e pessoas físicas de fazerem doações ao partido político ou candidato da sua preferência. Qualquer das duas alternativas são igualmente terríveis: ou a ignorância ou a prepotência.

Comentários

Josias Cardoso disse…
A estipulação e limite legal para a doação por pessoas físicas ou jurídicas consiste em "impor pela força o regime de doações exclusivamente públicas"?

O que fazer, então, com o art. 23 e 81 da Lei das Eleições? Ignorá-los porque, do contrário, estar-se-ia "criminalizando" os doadores, estar-se-ia agindo de modo descomedido? Esperar que as PREs prevariquem?

Criticar a lei, com a apresentação concomitante de melhoras, vá lá. Mas afirmar retoricamente que "o bom senso" levaria ao não ajuizamento (contra legem!) de tais representações e que a manutenção de doações dentro do limite legal seria conduta "inibidora" das doações em geral é, no mínimo, temerário.

Em muitos do casos constata-se a corrência de fraudes, empresas fantasmas, crimes contra a ordem tributária, etc, e não somente excesso de doação. Fazer vista grossa também seria a solução?
Unknown disse…
Josias, não acho que tenha sido este o sentido da manifestação do professor Adriano.
A crítica traz no seu bojo a inutilidade da lei ao fim a que se presta quando sanciona severamente o excesso de doações.
Não discordo da necessidade de limites, nem da apuração de eventuais irregularidades, mas a revisão do modelo é necessária.
cmn disse…
O Professor Adriano está correto. A ação do MPE está jogando para ilegalidade os doadores ilegais.

Ë de se perguntar por que somente passados mais quase onze anos da aprovação da lei 9504, somente agora se está dando efetividade aos artigos 23 e 81 da lei?

O que se vê, mais uma vez, é a tentativa do Judiciário de induzir a necessária reforma de nosso sistema político-eleitoral, diante da inércia do Congresso Nacional.

Lamentavelemente, quem está pagando a conta são os doadores, até mesmo porque os candidatos beneficiários das dosções em excesso não são punidos - outra incongruência da lei, aliás, não há limites para a utilização de recursos próprios do candidato para financiamento de sua campanha.

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