Judicialização de menos: mais democracia.
Projeto da Câmara limita poderes do TSE para 2010
A Câmara votará em duas semanas um projeto que restringe os poderes do TSE na definição das regras que vão nortear as eleições, inclusive a de 2010.
A proposta foi elaborada pelo deputado Flávio Dino (PCdoB-MA, na foto), por encomenda do presidente Michel Temer (PMDB-SP).
Visa reformular a lei eleitoral (nº 9.504), de 30 de setembro de 1997. O blog obteve uma cópia do projeto.
Sugere uma nova redação para o artigo 105 da lei de 1997. O texto em vigor anota:
“Até o dia 5 de março do ano da eleição, o TSE expedirá todas as instruções necessárias à execução” da lei.
A redação do projeto conserva a data e a prerrogativa do tribunal de “expedir todas as instruções”. Mas faz duas ressalvas:
1. As resoluções do TSE não poderão “ultrapassar o caráter regulamentar”;
2. Tampouco poderão “restringir direitos ou estabelecer sanções distintas das previstas” na lei.
O texto do projeto tem aparência acaciana. Parece óbvio que uma resolução do TSE não pode ultrapassar as fronteiras da lei.
Mas, na visão dos congressistas, o óbvio vem sendo corriqueiramente afrontado pelos tribunais superiores.
O flerte com o Conselheiro Acácio é uma tentativa de reagir ao que os deputados chamam de “judicialização da política”.
Dissemina-se no Congresso a tese segundo a qual o TSE e o STF vêm “usurpando” prerrogativas do Parlamento, “legislando” por meio de sentenças e resoluções.
O projeto de Flávio Dino foi entregue a Temer e aos líderes dos partidos. Eles se reuniram na última quinta (4).
Decidiu-se votar a reforma da lei eleitoral em no máximo 15 dias. Até a próxima terça (9), os líderes oferecerão sugestões de ajustes ao projeto de Flávio Dino.
Foi ao freezer, por polêmica, a idéia de criar um fundo fornido com verbas públicas para financiar a eleição.
Quanto ao resto, a idéia de Michel Temer é a de produzir uma nova lei que desça às “minúcias”. Justamente para eliminar os vácuos que possam ser preenchidos pelo TSE.
O texto de Flávio Dino é minucioso. Mas não a ponto de contentar os líderes dos maiores partidos –PMDB, PT e PSDB.
Foi considerado tímido, por exemplo, na definição do uso da internet. Não prevê a coleta de fundos eleitorais via web. É econômico nas menções à publicidade de campanha na rede.
Aferrado à idéia do financiamento público, descartada nessa primeira fase, Dino eximiu-se também de propor mudanças na forma de arrecadação de doações eleitorais.
Os líderes desejam introduzir na lei pelo menos uma mudança. Querem de junho de 2010 para a fase de pré-campanha a permissão para passar buscar fundos junto às empresas.
Eis algumas das mudanças sugeridas:
1. Candidaturas impugnadas: Reza a lei em vigor que os TREs devem enviar a relação dos candidatos ao TSE até 45 dias antes da data da eleição.
O projeto de Flávio Dino obriga a Justiça Eleitoral a julgar os pedidos de registro de candidaturas também até 45 dias antes do pleito.
Prevê também que candidatos cujos registros estejam sub-judice (com recursos pendentes de julgamento) poderão participar da propaganda no rádio e na TV.
2. Propaganda ilegal: Diz a lei atual que a propaganda eleitoral só será permitida depois do dia 5 de julho do ano da eleição. Antes disso, é ilegal.
O projeto amplia as possibilidades de os candidatos levarem os rostos à vitrine sem que as aparições sejam consideradas ilegais.
Anota que “não será considerada propaganda eleitoral antecipada ou extemporânea a participação de filiados a partidos políticos ou pré-candidatos em entrevistas...”
...Em “programas, encontros ou debates no rádio, na televisão e na internet [...]”. Podem expor suas “plataformas e projetos políticos”. Só não podem pedir votos.
3. Publicidade em imóveis privados: A lei de 1997 proíbe a fixação de peças de propaganda em bens públicos. Mas autoriza a divulgação de campanha em imóveis privados.
Hoje, sem autorização da prefeitura, vale fixar faixas, placas e cartazes. Valem também as pinturas ou inscrições. O projeto de Flávio Dino é mais restritivo.
Veda, mesmo em imóveis particulares, propaganda eleitoral feira “por meio de pintura, inscrição ou pichação de parede, muro, cerca ou qualquer outra obra divisória”.
Limita a 4 m² as faixas, placas e cartazes. Mesmo quando penduradas nas fachadas das sedes dos partidos e dos comitês eleitorais.
Proíbe a fixação de propaganda “nas árvores e jardins” públicos. Veda também “a colocação de bonecos, cartazes e cavaletes móveis ao longo das vias públicas”.
4. Santinhos e panfletos: A lei atual permite a distribuição de folhetos de campanha desde que editados sob a responsabilidade do partido, coligação ou candidato.
O projeto traz um acréscimo benfazejo: “Todo material impresso [...] deverá conter o CNPJ ou o CPF” de quem o confeccionou e de quem encomendou. Algo que facilita a fiscalização.
5. Propaganda em jornais e revistas: A lei atual permite a veiculação de anúncios de candidatos até a antevéspera da eleição.
O projeto quantifica o número de anúncios: até dez por veículo, em datas diversas. E autoriza a “reprodução na internet”. De resto, acrescenta um artigo polêmico:
“Não caracterizará propaganda eleitoral a divulgação de opinião favorável a candidato, a partido ou a coligação pela imprensa escrita ou no respectivo sítio da internet, exclusivamente em editorial, e desde que não se trate de matéria paga”.
Como se sabe, vários políticos são donos de jornais. Em tese, poderão veicular em seus veículos “editoriais” favoráveis a si mesmos sem incorrer em crime.
Essas mudanças são importantes. O que poderia parecer acaciano e óbvio vem sendo corriqueiramente descumprido pelo TSE, que a pretexto de baixar instruções para o processo eleitoral cria sanções à margem da lei, como a negativa de quitação eleitoral ao candidato que tenha as contas rejeitadas, enquanto durar o tempo do mandato para o qual concorreu. A sua inconstiticionalidade flagrante, nesse caso, não é apenas formal, mas também material. É desarrazoado que um candidato fique sem quitação eleitoral por oito anos, acaso as contas tenham sido rejeitadas quando candidato ao senado, ficando o candidato ao Poder Executivo sem quitação eleitoral por quatro anos, pela mesma razão. A sanção rigorosa ataca o princípio da proporcionalidade e razoabilidade, além de mostrar a ausência de pendor para legislar do Poder Judiciário.
Todavia, penso que são tímidas. Defendo a proibição, através de lei complementar que altere o Código Eleitoral, dessa função atribuída ao TSE. Não há necessidade de instruções para o processo eleitoral, ainda mais que a Lei nº 9.504/97 está há uma década em vigor. Há uma estabilidade relativa no ordenamento jurídico, quebrada pelas decisões do TSE, como as que instituíram a verticalização de coligações (agora excluída por emenda constitucional), aprofundaram o conceito de fidelidade partidária, ao ponto de cassar mandatos eletivos obtidos de acordo com a regra do jogo vigente então e alterada por meio de respostas a consultas.
Esse é o ponto fundamental de qualquer reforma política: redesenhar os poderes do TSE, diminuir a judicialização do processo eleitoral e acabar com a possibilidade da Justiça Eleitoral baixar, por via oblíqua, normas eleitorais. Uma Justiça Eleitoral forte é aquela que aplica as regras do jogo democrática, sem resvalar para o exercício de poderes que não lhe são afetos.
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