Democracia, judicialização das eleições e terceiro turno

É inegável que há perversão em uma democracia cujo eleito é o segundo colocado. Desconheço que assim seja em outros países. Quando o eleito é cassado por corrupção eleitoral, presumem-se duas coisas: a) que o processo eleitoral foi ilegítimo e b) que os órgão de fiscalização falharam em sua missão.

A judicialização do processo eleitoral tem sido um fenômeno crescente na nossa experiência democrática, sobretudo depois da constatação de que as decisões passaram a ter efetividade quando cassam políticos eleitos e, com um incentivo extra: as provas necessárias para apear o eleito não são rigorosas.

Não temos um ordenamento jurídico que promova meios preventivos para evitar a corrupção eleitoral, de modo que os instrumentos jurídicos postos à disposição terminam sendo punitivos, utilizados depois que o boi arromba a cerca. Tanto pior quando se admite - e isso sempre foi e será uma aberração jurídica - que o nacional concorra no processo eleitoral, por sua conta e risco, mesmo que lhe seja negado o registro de candidatura, sem ter, por isso mesmo, um título jurídico que o habilite a praticar atos de campanha. Tendo pedido o registro de candidatura, pode estar no processo e melar a disputa.

Por isso, temos hoje pessoas eleitas, mesmo estando sem o registro de candidatura, impedidas de receber o diploma e tomar posse. Quem tem assumido, até se decidir a pendenga, é o presidente do Poder Legislativo. O povo, que foi chamado às urnas para escolher os seus representantes, não entende o que se passou com o resultado das eleições, em que quem ganha não leva e quem perde pode ganhar.

Enquanto as cassações batiam às portas dos prefeitinhos e vereadores, tudo muito bem. Afinal, apenas eles e dois governadores do norte, além de um senador também do norte, tiveram a honra de passar pela guilhotina dos mandatos. Porém, agora a navalha começa a ficar afiada para os governadores de Estado. A Paraíba virou uma Sucupira eleitoral. O Maranhão, Tocantins, Santa Catarina, Sergipe e outros podem ir pelo mesmo caminho, como mostra a revista Veja, numa dessas matérias ingênuas quanto as consequências dessa febre de cassação (vide aqui).

Todos aguardam ansiosos que a Justiça Eleitoral endireite a nossa democracia, porque o povo, ao que parece, seria incapaz de fazê-lo. Que país engraçado o nosso: institucionalizamos o terceiro turno e clamamos que os tribunais resolvam, ao fim e ao cabo, o que deveria ser submetido apenas ao crivo popular. Construimos uma república dos derrotados, dos sem-votos, escolhidos pela eleição indireta dos eleitores togados.

É evidente que o combate à corrupção eleitoral deve ser duro, intolerante, preventivo e rápido. Mas não menos evidente que uma eleição ilegítima apenas poderá ser solucionada com outra eleição, já agora legítima. Quem perdeu a disputa, ainda que por razões espúrias, perdeu. Não representa a vontade da maioria. Terá a possibilidade de superar o mal-feito em outra disputa.

Enquanto acharmos normal um sistema democrático em que o derrotado vença, em que a Justiça Eleitoral dê a última palavra sobre quem assume, estaremos distantes de uma democracia sadia.

Mas a culpa dessa bagunça não é da Justiça Eleitoral. Ela está fazendo o seu papel, com o respaldo de uma sociedade cansada das vilanias dos nossos políticos. A culpa dessa mixórdia sistêmica é a omissão do Poder Legislativo, da cultura do nosso povo que adora uma sinecura, da falta de instrumentos rígidos de controle do processo eleitoral. Aí, resolvemos tudo ao depois do pleito, quando o povo enfrentou uma enorme fila no dia de domingo, escolheu o seu representante e, depois, não sabe mais o que foi fazer na rua, porque o resultado final não valeu de nada...

Comentários

Alexandre Brito disse…
Prezado Professor Adriano, boa tarde. Novamente lendo seus brilhantes artigos (Democracia, judicialização das eleições e terceiro turno - publicado no blog em 20/02/09) parei para refletir. Na mesma linha de um email anterior que lhe encaminhei, acerca do caso ocorrido em Cajamar/SP nas eleições de 2008. A problemática do "correr sob conta e risco", inovação trazida pelo TSE gera em minha mente uma série de questões, que venho enfrentando diariamente tentando chegar à uma conclusão razoável.
Certo candidato, inelegível, requer seu registro de candidatura para as eleições, sendo-lhe negado o registro pelo Juízo Eleitoral. Inicia-se o que hodiernamente é denominado o "correr sob conta e risco", fazendo o candidato propaganda, comícios, participando de debates e o que mais puder, como se candidato fosse. Consultando o site do TSE na internet, qualquer eleitor poderá verificar que sua situação é de "indeferido com recurso", o que para maioria não faz sentido, pois o que realmente quer saber é se seu candidato concorre ou não ao pleito. No dia da eleição lá está sua foto e nome na urna eletrônica, mais uma vez deixando transparecer ao eleitor que ele efetivamente será votado e, ganhando, assumirá.
Diante desses fatos, e repito que foi exatamente o que ocorreu no Município citado, e ainda pior, os dois candidatos encontravam-se na mesma situação - inelegíveis - que as dúvidas surgiram. Ora, uma posição é certa: não são candidatos, pois seu pedido de registro foi negado pelo órgão competente, a Justiça Eleitoral. Que a aberração do "por conta e risco" se dê durante o pleito, em sendo eleito o candidato não será diplomado e não tomará posse até o trânsito em julgado de eventual recurso, correto?
O "candidato" com mais chances de vitória de acordo com as pesquisas, na véspera das eleições, faltando apenas 1 (uma) hora para o fechamento da Vara Eleitoral protocoliza pedido de substituição, o que é permitido por lei, não há dúvidas quanto à isso, embora ache que alterações severas e urgentes devam ser adotadas quanto a isso também.
Deferida a substituição o candidato substituto é eleito, diplomado e toma posse no cargo de Prefeito Municipal.
Nobre Professor, a situação parece lícita, apoiada na legislação.
O que me ocorre, e desculpe-me se estiver dizendo alguma besteira, é que em meu entendimento não poderia haver a substituição. Explico.
O candidato substituído é candidato? Teve seu registro deferido, nos moldes legais? Concorreu legalmente? Creio que todas as respostas sejam negativas, ao menos se observarmos a legislação. Como dito em seu artigo a criação jurisprudencial do E. TSE tenha deixado uma brecha difícil de ser "remendada", e o principal - repito em minha opinião - não foi observado.
Primeira questão: O "candidato" que teve seu registro indeferido e concorre por "conta e risco" tem legitimidade para requerer a substituição? Se não é candidato como pode se socorrer dessa abertura legal da substituição? Não seria essa talvez uma das maiores aberrações do Direito Eleitoral? O candidato substituto preenche, nesse caso específico de substituído inelegível, os pressupostos de elegibilidade, já que requereu seu registro após o prazo, e não foi escolhido em Convenção Partidária?
Minha opinião inicial é que não há legitimidade para substituição nesses caso, porém sei que ainda será necessário muito estudo, e, claro, muita pesquisa.
Escrevi pois realmente gostaria de saber do Mestre se percorro caminho correto - pois sei que esa opinião não agradará muitos - mas como lido em outro artigo seu a advocacia eleitoral é bifronte, e não podemos ter medo de expor nossas idéias e posições, sobretudo em assunto que visa um bem maior, o de garantia de um pleito justo, respeito ao maior ou um dos maiores princípios constitucionais, o da Democracia.

Agradeço a atenção e um abraço.
Alexandre Cordeiro de Brito - Advogado em São Paulo.

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