Primeira decisão aplicando o art.30-A: captação ilícita de recursos

O Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais, pela primeira vez no país, aplicou, segundo é do meu conhecimento, o art.30-A da Lei nº 9.504/97, introduzido pela Lei nº 11.300/2006, que estipulou novo ilícito eleitoral: a captação ilícita de recursos, combatendo o caixa 2 das campanhas eleitorais.

Em longa e interessante discussão, o TRE-MG aplicou a cassação do registro e diploma, com execução imediata, estendendo ao art.30-A a jurisprudência do art.41-A, como em meus comentários à Lei nº 11.300/2006 eu já previa (vide o texto no site pessoal, link ao lado).

A ementa da decisão é a seguinte:

REPRESENTAÇÃO N. 4.759/200626ª Zona Eleitoral, de Belo HorizonteRepresentante: Ministério Público EleitoralRepresentado: Juvenil Alves Ferreira Filho, Deputado FederalRelator: Juiz Tiago Pinto

ACÓRDÃO N. 653/2008

Representação. Ação de Investigação Judicial Eleitoral. Art. 30-A da Lei n. 9.504/97, inovação trazida pela Lei n. 11.300/2006; art. 22 da Lei Complementar n. 64/90; arts. 273, 796 e 798 e demais artigos do Código de Processo Civil. Deputado Federal. Eleições 2006.Preliminares:1- Nulidade do julgamento por cerceamento de defesa, em razão do indeferimento do pedido argüido da Tribuna, para que o prazo da sustentação oral fosse contado em dobro. Pedido decidido monocraticamente pelo Des.-Presidente, por não ser matéria de decisão do colegiado.2- Ausência de legitimidade ativa do representante do Ministério Público Eleitoral. Rejeitada. A legitimidade do Parquet decorre do artigo 127 da Constituição da República, límpida e incontrastável, por se tratar de hipótese que envolve direitos sociais e indisponíveis, além dos termos da Lei Complementar n. 75/90, especialmente o art. 5º, I, "b" , art. 6º, XIV, "a" , e art.72. 3- Incompetência de Juiz-Auxiliar. Rejeitada. A competência do Juiz-Auxiliar se deve ao fato do art. 30-A, § 1º, da Lei das Eleições determinar que seja seguido o rito do art. 22 da Lei das Inelegilibilidades.4- Indeferimento da petição inicial. Rejeitada. Presentes os requisitos do art. 282 do Código de Processo Civil. A aptidão do pedido é aferida pela relação de conseqüência entre os fatos narrados e os pedidos formulados.5- Ilicitude das provas. Rejeitada. Inexistência de ilegalidade na determinação de investigação conjunta do Ministério Público Federal, Polícia Federal e Receita Federal. Autorização de compartilhamento, a fim de que se pudesse avaliar a situação, diante de fatos encontrados que denunciavam a existência de abusos cometidos e provas pertinentes aos domínios eleitorais, a partir de arrecadação e gastos irregulares em desacordo com a Lei Eleitoral. O direito à privacidade de informações do indivíduo não é absoluto nem ilimitado. Contrapostos interesses coletivos e individuais acerca da revelação de informações para determinado contexto, há de prevalecer aquele que se revele de mais alto grau para a satisfação dos interesses sociais e constitucionais. Inexistência de qualquer ilicitude no uso da documentação advinda do Ministério Público Federal para os autos da representação. 6 - Cerceamento de defesa no que se refere à ação policial, desencadeada por autorização da Justiça Federal. Rejeitada. A alegação de fato do representado não é contra a prova dos autos, mas sutilmente contra a ação policial. O argumento soa como antecipação de defesa eminentemente formal, mas nada que diga respeito à prova juntada aos autos, que indigita a ausência de regularidade nos gastos de campanha. Nos limites da litiscontestação a prova foi permitida, só não foi quando dela desbordou, para incorrer em requerimentos desnecessários sem relação com a defesa. 7 - Nulidade de premissa que fundamenta o pedido inicial. Rejeitada. As funções da Secretaria de Controle Interno do Tribunal Regional Eleitoral, nada mais são do que analisar contas e emitir pareceres. A verdade ou não desse Juízo é posta a julgamento e o Ministério Público Eleitoral pode fundamentar a sua ação conferindo-lhe correção a ponto de adotá-lo como verdadeiro. 8 - Violação do princípio constitucional de presunção de inocência. Rejeitada. A alegação de ofensa ao princípio da presunção de inocência sofre o contratempo de uma investigação judicial e não pode obstar a apuração dos fatos que são imputados ao representado. Questão de prova se refere ao mérito da causa.9 - Inconstitucionalidade das informações obtidas para fins de investigação criminal e ilegitimidade da prova. Rejeitada. A interceptação telefônica, que foi determinada por Juiz criminal competente, é constitucional e legítima. Existência de precedentes do STF admitindo a legitimidade da prova encontrada fortuitamente no caso de escuta telefônica qu e não tinha por objeto investigado outro fato.10 - Cerceamento de defesa. Provas indeferidas. Rejeitada. Preliminares já examinadas em momento oportuno. O Juiz, na condução do processo, tem o direito e o dever de indeferir provas procrastinatórias ou aquelas que não vão trazer nenhum tipo de elucidação para o objeto da causa.11 - Suspensão do processo até o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal da ação criminal. Rejeitada. Processo maduro para decisão. Instâncias independentes. Feitos que versam sobre matérias completamente diferentes. Desnecessidade da caracterização de crime para o exame da presente ação. Mérito. Arrecadação irregular de receitas e gastos ilícitos. Existência de "Caixa 2" . Receitas não contabilizadas. Abuso de poder econômico na arrecadação e gastos irregulares de campanha eleitoral. Doações recebidas e pagamentos efetuados em desacordo com o declarado pelo candidato na prestação de contas apresentada à Justiça Eleitoral. Valores declarados inferiores ao efetivamente gasto. Comprovação. Uso de recursos financeiros não transitados pela conta bancária específica. Arrecadação anterior ao período de campanha eleitoral. Despesas de campanha iniciadas antes do período oficial e estendidas até após as eleições. Depoimentos contraditórios da defesa. Prova testemunhal feita por profissionais ligados ao representado. Comprovação documental da captação irregular de receitas e gastos ilícitos de campanha. Documentos analisados por perícia grafotécnica e contábil. Prova contundente.Subsunção dos fatos à norma do art. 30-A da Lei n. 9.504/97. Desnecessidade da aferição da potencialidade lesiva para a configuração do ilícito descrito no referido artigo. Caracterização de abuso de poder econômico com força para influenciar ilicitamente o resultado das eleições, comprometendo a normalidade da disputa e sua legitimidade. Representação julgada parcialmente procedente para cassar o diploma conferido ao representado. Impossibilidade de aplicação da pena de multa. Falta de previsão legal. Execução imediata da decisão. Determinação.Vistos, relatados e discutidos os autos do processo acima identificado, ACORDAM os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais em rejeitar as preliminares e, no mérito, à unanimidade, em julgar parcialmente procedente a representação e cassar o diploma de Deputado Federal conferido ao representado Juvenil Alves Ferreira Filho; publicado o acórdão, determinar a comunicação da decisão à Mesa da Câmara dos Deputados para dar cumprimento ao mesmo, convocando o Suplente apto da Coligação A Força do Povo, pela qual se elegeu o representado; determinar ainda que se oficie ao Supremo Tribunal Federal, conforme recomendado pelo Relator, e que se comunique a decisão ao egrégio Tribunal Superior Eleitoral, nos termos das notas taquigráficas do julgamento, que integram esta decisão.Belo Horizonte, 3 de abril de 2008.Des. JOAQUIM HERCULANO RODRIGUES - Presidente. Juiz TIAGO PINTO - Relator.

Sugiro a leitura atenta dos votos, publicados em notas taquigráficas, em debate de elevado nível jurídico, que honra as tradições jurídicas mineiras, publicados aqui ou em pdf, aqui.

Posteriormente comento os contornos jurídicos da decisão, inclusive quanto à configuração do abuso de poder econômico para a incidência do art.30-A.

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