ADIN da OAB: emenda constitucional e lei são a mesma coisa...

A ADIn da OAB apela para o respeito ao ato jurídico perfeito, para a segurança jurídica e, finalmente, para o respeito ao art.16 da CF/88. Para sustentar que o "princípio da anualidade da lei eleitoral" se aplicaria também às emendas constitucionais, aduziu a seguinte argumentação:
"No sentido de lei, previsto no art. 16 da CF, inclui-se também a emenda constitucional. Como se sabe, lei é termo de acepção ampla, é gênero. Agregado o termo a outro que lhe amplia a compreensão e lhe diminui a extensão surgem as várias espécies normativas: lei constitucional, lei complementar, lei ordinária e etc., todas inseridas no conceito mais amplo de lei.

Logo, é de se concluir que o art. 16 da CF veda a edição de emenda constitucional que tenha por escopo alterar o processo eleitoral sem a prévia observância do prazo de um ano nele estabelecido."
Evidente que a argumentação deduzida pela Ordem dos Advogados do Brasil tomou o signo "lei" em seu sentido vulgar, atécnico, prima facie. Porém, muito longe do que qualquer constitucionalista ousaria fazer uso, ainda mais quando confrontado com o texto constitucional. Lei pode ser usado como sendo o veículo introdutor de normas jurídicas decorrente de um processo legislativo, nos moldes das lições precisas de Sérgio Resende de Barros (aqui):

"Já que o poder de pôr normas jurídicas – o poder normativo – está diversificado em três níveis – o poder constituinte, o poder legislativo, o poder regulamentar – daí decorre que o processo legislativo propriamente dito abrange só as normas primárias – as espécies normativas primárias – produzidas pelo poder legislativo, imediatamente vinculado ao poder constituinte e vinculante do poder regulamentar, sendo excluídas as normas produzidas por esses dois últimos poderes. Esse, o sentido técnico de "processo legislativo".

Nesse sentido, podem ser chamadas de leis todas as espécies normativas produzidas no nível legislativo, pelo poder legislativo, mediante o processo legislativo. Na Constituição Federal de 1988, à vista do seu artigo 59, essas espécies normativas são as seguintes: leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos e resoluções do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, de caráter legislativo, tais como as previstas no artigo 68, § 2 º, ou no artigo 155, § 2º, inciso IV, dessa Constituição. Portanto, no sentido técnico, devem ser excluídas do processo legislativo as emendas constitucionais, porque são produzidas, não pelo poder legislativo, mas pelo poder constituinte reformador, embora exercido pelos mesmos órgãos e pessoas que exercem o poder legislativo. Na verdade, as emendas constitucionais – quer isoladas, quer conjugadas em um procedimento de revisão da constituição – são elaboradas por "processo constituinte" e não por processo legislativo. Contudo, não se estranhe que o artigo 59 da Constituição brasileira inclua, também, sob o título de "Processo Legislativo", as normas constitucionais produzidas por atuação do poder constituinte derivado reformador, ou seja, as emendas à própria Constituição." - (O último negrito foi aposto por mim).

Como se observa, a cinca da tese sustentada pela ADIn proposta pela OAB, com as vênias de estilo, é palmar. Razão pela qual, a pretensão deduzida em processo objetivo há de dar um passo além. Despida das armas do art.16 da CF/88, a OAB apela para o princípio da segurança jurídica ou o direito à não surpresa, ao afirmar: "A aplicação retroativa, nesse contexto, fere princípio básico da República – segurança jurídica -, consubstanciado no direito à não surpresa, ou, em outras palavras, no princípio da confiança no sistema, de modo a demonstrar que a norma do art. 3º, inciso I, da EC 58/2009 é casuística e não se coaduna com o princípio republicano de tratamento impessoal das matérias públicas".

Não é certo que a retroatividade das normas jurídicas fira em regra a segurança jurídica. Razão pela qual a Constituição Federal não a veda, salvo se violar a coisa julgada, o ato jurídico perfeito e o direito adquirido. Por isso, é comum encontrarmos leis com efeitos retroativos, muitas vezes em direito administrativo, quando o Poder Público concede aumentos aos servidores públicos e aplica os seus efeitos a um período anterior, fazendo nascer o direito desde o passado, pondo nele o que não havia, reescrevendo juridicamente o tempo.

Ora, se a aplicação da EC 58 viesse a gerar perdas de mandatos, evidente que não poderia ser aplicada nesta hipótese: a sua aplicação in casu é que seria inconstitucional, porque aí violaria o direito adquirido. Ademais, o direito à não surpresa não foi violado, até mesmo porque a PEC que originou a EC 58 tramitou anos a fio no Congresso Nacional, sendo tema de diversas matérias jornalísticas. Todos os que concorreram no processo eleitoral de 2008 sabiam que aquela PEC poderia se converter em norma constitucional e torceram por isso, até que muitos deixaram de se interessar porque foram eleitos, passando a rejeitar o aumento de parlamentares e a redução do seu poder pessoal...

Finalmente, todo o restante do texto da petição proposta pela OAB é entabulado sobre a fluída instância retórica dos princípios, que é uma verdadeira terra sem lei, faroeste argumentativo, último reduto da ausência de argumentos jurídicos estribados no ordenamento positivo. O uso dos princípios etéreos para controle da constitucionalidade é a maior prova de que a anteposição à mudança constitucional é de natureza política, travestida de defesa indefectível da Constituição.

Aqui, por evidente, não é o espaço adequado para desenvolvermos todo o nosso pensamento sobre o tema. Porém, imagino ter deixado evidente que, no fundo no fundo, o que as ações ajuizadas visam é simplesmente - e mais uma vez - retirar do Congresso Nacional o papel que já foi seu: o de ser o poder político por excelência. Uma lástima para a nossa democracia, por certo.

Comentários

Anônimo disse…
Primeiramente gostaria de cumprimentar o Dr. Adriano Soares da Costa, grande mestre que tem uma magnífica facilidade de escrever e expressar suas idéias, pelas reflexões lançadas sobre matéria desafiadora e controversa, bem como deixar um abraço aos colegas dessa Comunidade - ambiente de debate acerca de temas tão importantes como são os direitos políticos, a democracia, a cidadania, etc.

Eu, sinceramente, entendo que a alteração promovida pela EC 58, da maneira como posta, sobretudo em razão da regra materializada no art. 3º, I, tem o condão de repercutir nas regras do jogo eleitoral encerrado (processo eleitoral), já que não se trata apenas de recálculo do quociente eleitoral ou "mera operação matemática", porquanto, a toda evidência, outras seriam as posturas dos candidatos, partidos, coligações e até mesmo dos próprios eleitores, caso essas vagas criadas já fossem conhecidas de modo definitivo quando da realização das convenções (para muitos início do processo eleitoral). Certamente, o resultado das urnas seria diverso, inclusive com um número maior de participantes na disputa eleitoral em razão do número maior que cada partido ou coligação poderia lançar. Penso que tema tão importante não pode ser interpretado ou reduzido a mero recálculo, ignorando as nuances que permeiam uma disputa eleitoral, sob pena de relativizar o verdadeiro significado da soberania popular. Penso que o Congresso Nacional, mais uma vez, demonstrou que não se importa muito com a segurança jurídica das relações, posto que não dúvidas de que o melhor seria se tivesse deixado explicitado que as regras valeriam para 2012.

Todavia, a palavra está com a Ministra Cármen Lúcia, a princípio e com os demais membros da Corte, posteriormente. Espero que decidam logo para colocar termo a essa "insegurança jurídica" instalada.

Finalmente, gostaria que fosse interpretada a expressão "limite máximo", eis que no meu Município são 11 (onze) cadeiras (vereadores empossados) e que poderá chegar a 19 (dezenove), se aplicada as regras da EC 58.

A pergunta é: a EC 58 tem aplicação automática ou há que ser fixado o número máximo (deliberado) por alteração na Lei Orgânica, antes de eventual posse de suplentes? Outra situação: se isso ocorrer não resultará numa quebra de "legitimidade democracia", pois como explicar que em municípios com população semelhante ou idêntica, o número de representantes pode ser diferente? Aí passaria valer a máxima de que o que "importa é a qualidade e não a quantidade"? Aqui vale lembrar que o STF declarou inconstitucional alteração promovida em Lei Orgânica que desconsiderava a proporcionalidade ditada anteriormente pelo STF e TSE. Grande abraço a todos e todas e bom dia!
Anônimo disse…
GOSTARIA DE PERGUNTAR: SE O PROCESSO ELEITORAL É PERFEITO, NÃO RETROAGE, NÃO SE MUDA AS REGRAS DO JOGO COM A PARTIDA JÁ INICIADA, ENTÃO LOGO QUE O STF DECLARE INCONSTITUCIONAL O ART.3º DA EC/58, AS CÂMARAS PODERÃO PRESSIONAR PELA INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 29-A, QUE TRATA DA REDUÇÃO DOS REPASSES FEITOS PELAS PREFEITURAS? COMENTE.

OBRIGADO.
Unknown disse…
Anonimo das 08:43, voce diz que a retroação das posses de novos vereadores a 2008 não é legal, porque fosse definido antes daquela eleição o cenario das candidaturas seria outro e consequentemente o resultado também.
Contudo, temos que lembrar que o memso aconteceu em 2004, quando já todos os partidos e coligações estavam organizados para lançarem um numero maior de candidatos foram prejudicados pelo DECRETO DO STF que reduziu (FERINDO A CONSTITUINTE E AS LEIS ORGANICAS DOS MUNICIPIOS)o numero de cadeiras.
E daí, NADA foi feito contra aquela medida inconstitucional feita pelo TSE, que inclusive só diminuiU o numero de vereadores mas não dimuniu o repasse financceiro para as camaras.
Ninguém se levantou conta aquela medida, como fazem agora a PGR (Procuradoria Geral da Republica) e a OAB (Ordem dos advogados do Brasil).
Notem que nem estas próprias entidades não se opuseram a medida tomada em 2004. mas ela prejudicou, JURIDICA E POLICAMENTE os candidatos e a representatividade popular.
Porisso a PEC tem que valer prá já. Para corrigir a distorção e a injutiça ocorrida em 2004.
Naquela vez houve perdas, nesta não haverá, pois nenhum vereador atual perderá mandato, e os que se beneficiarem da PEC também não vão ferir direitos de outros hipotéticos candidatos que poderiam tem sido inscritos mas eleições de 2008.

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