Pergunta e resposta: EC 58/2009

Foram feitas algumas perguntas (pena que anonimamente), que por serem pertinentes merecem respostas para ajudar da meditação dos interessados neste tema:

1) se essa EC dos vereadores tivesse sido promulgada antes das convenções de 2008 os partidos/ coligações não teriam registrado um número maior de candidatos?
R: É possível que sim, como é possível que não. Legalmente haveria essa possibilidade, o que não quer dizer que isso significasse qualquer modificação no resultado do pleito.

2) os partidos ou coligações que registrassem um número maior de candidatos não poderiam auferir maior vantagem no quociente eleitoral num quadro com quantidade maior de vagas?
R: Poderiam, em tese. Porém não lhe parece que os candidatos viáveis efetivamente concorreram no processo eleitoral? Quais seriam as grandes lideranças ou puxadores de voto que não concorreram aos mandatos eletivos? Veja, a argumentação proposta é em princípio procedente, mas não resiste a uma análise criteriosa em conformidade com o quod plerumque accidit.

3) O jogo e a composição das casas legislativas municipais não seria outro?
R: Poderia ser, como não poderia ser.

4) Será que a EC n.º 58 não altera mesmo o processo eleitoral?
R: Não, não altera. O resultado das eleições resta íntegro; a manifestação de vontade expressa nas urnas também. Aplicam-se as mesmas normas para o cálculo do quociente eleitoral, em vigor desde 1965. O que mudou? A operação matemática: mudou para maior a base de cálculo. Bom para a democracia.

Noutra mensagem no post anterior, é feita uma outra ponderação sobre o fato da EC 58/2009 ter mudado o processo eleitoral de 2008, na medida em que se ela estivesse em vigor naquela época poderia ser outra a postura dos partidos e candidatos. Como já mencionei, estamos no mundo da hipótese, de supor comportamentos diversos quando, na verdade, todos os candidatos viáveis participaram do pleito. É um argumento mais político (de política legislativa, restius) do que jurídico.

Depois, surge uma outra questao, já agora eminentemente jurídica: A EC 58 tem aplicação automática ou há que ser fixado o número máximo (deliberado) por alteração na Lei Orgânica, antes de eventual posse de suplentes? Outra situação: se isso ocorrer não resultará numa quebra de "legitimidade democracia", pois como explicar que em municípios com população semelhante ou idêntica, o número de representantes pode ser diferente? Aí passaria valer a máxima de que o que "importa é a qualidade e não a quantidade"? Aqui vale lembrar que o STF declarou inconstitucional alteração promovida em Lei Orgânica que desconsiderava a proporcionalidade ditada anteriormente pelo STF e TSE.

R: A EC 58 é norma de eficácia limitada, dependendo da legislação infraconstitucional. A fixação do número de vereadores depende das leis orgânicas. Fixou-se no art.29, inc.IV, o limite máximo de cadeiras, tendo como critério o número de habitantes. Há municípios cuja lei orgânica é norma branco, prescrevendo que o número de cadeiras será aquele fixado pelo número máximo previsto na Constituição Federal. Nesta hipótese, a aplicação da nova redação do inciso IV do art.29 da CF/88 é imediata e não reclama mudanças na lei orgânica.

O princípio prevalente sobre a organização dos municípios é o da autonomia, razão pela qual os municípios têm, no Brasil, uma peculiar natureza jurídica, sendo um ente federativo sui generis, sem representação direta no Congresso Nacional. Autônomos que são, as suas leis orgânicas têm fundamento de validade diretamente na Constituição Federal, exceto naquelas matérias em que haja competência concorrente com o Estado. Destarte, podem municípios com a mesma população optar por número diferentes de cadeiras de vereadores, dentro da sua autonomia de organização, desde que respeitem o número máximo permitido pela Constituição Federal. Não há motivo para assombro, porque cada município poderá legitimamente decidir sobre o modo de funcionar a sua representação popular no Poder Legislativo.

É preciso mais uma vez gizar que o STF e o TSE se pronunciaram sobre uma ordem constitucional revogada. Não serve como critério de aferição da constitucionalidade da nova ordem criada pela EC 58/2009. Essa tem sido uma lamentável confusão recorrente na questão dos vereadores, colocando o Supremo Tribunal Federal acima da Constituição, em uma inversão absurda de valores. O STF é o guardião da Carta, não o seu algoz ou o seu proprietário. As alterações às leis orgânicas poderiam ser inconstitucionais perante à ordem constitucional revogada; diante da ordem instaurada com a promulgação da EC 58/2009, não!

Comentários

Professor,

Desculpe-me pelo aparente anonimato, fui eu quem fez os questionamentos, meu nome é Helton Chacarosque, sou membro de sua comunidade há algum tempo, sou seu admirador confesso, seus argumentos são brilhantes, registro que o seu prestígio é inabalável junto aos meus colegas da Justiça Eleitoral goiana.

Apenas coloquei meu primeiro nome porque elaborei as perguntas rapidamente em virtude da pressa natural de quem está atrasado para comparecer a um evento particular.

As perguntas foram baseadas em muitas questões reais que testemunhei: registro de candidatos em numero que ultrapassou os limites determinados pela L. 95047/97, o que ocasionou a exclusão dos excedentes - o que não aconteceria se a emenda tivesse sido promulgada antes das convenções; muitas coligações tiveram o escopo de registrar mais candidatos para beneficiarem-se do coeficiente eleitoral...

Particularmente, com todas as vênias, continuo a advogar a tese de que a EC 58 altera sim o processo eleitoral .
Max Ribeiro disse…
E o art. 10, § 3º, da Lei Eleitoral? Com o aumento do número de vereadores muitos partidos/coligações ficarão em situação de desrespeito ao limite mínimo de candidatos de um determinado sexo (30%). Como ficariam esses partidos/coligações? Perderiam os seus candidatos eleitos???
Unknown disse…
Helton, fiz menção ao anonimato porque as perguntas eram pertinentes e queria responder citando o autor. Fico feliz que elas tenham sido feitas por membro da Comunidade.

Penso que tanto você quanto o Max estão têm uma preocupação legítima. Max Ribeiro levanta uma questão interessante, não fosse o fato de que as mudanças foram autorizadas por uma emenda constitucional, que não pode ser condicionada em sua aplicação por uma lei ordinária. Seria inverter a lógica do sistema. Não se interpreta a Constituição pela lei; é esta que é condicionada por aquela.

O cerne da questão, insisto, está na nossa tentação antidemocrática de judicializar o processo político. E o moralismo eleitoral - quem costuma ler o que escrevo sabe o porquê de ter cunhado a expressão - é apenas isso: um moralismo, a adulteração da moral sadia.

Mas respeito os que discordam do meu pensamento. E fico feliz em tê-los aqui debatendo.
Anônimo disse…
como o mundo das possibilidades é muito vasto é possível então analisar a constitucionalidade da emenda constitucinal no caso concreto?
Indaga-se isto porque se a coligação fosse comprovadamente prejudicada em relação ao número de registrados o processo eleitoral estaria afetado na hipótese da emenda.
Max Ribeiro disse…
Compreendo, professor, mas continuo entendendo que o efeito retroativo dessa EC 58 (E TÃO SOMENTE O EFEITO RETROATIVO, porque CONCORDO com o mérito dela), ainda que seja "constitucionalmente formal", é resultado de puro oportunismo eleitoreiro dos congressistas que a aprovaram, e posto em prática acabaria gerando muitas dúvidas, riscos de entendimentos judiciais divergentes, enfim, um imbróglio jurídico imenso que atentaria contra a segurança jurídica estabelecida.

Acho que a Ministra agiu acertadamente ao conceder a liminar, pois entendo que o STF não é o guardião apenas da letra fria da Carta Magna.

Grande abraço!
Itamar José Fernandes disse…
Dr. Adriano, obrigado por responder as perguntas formuladas. Fiz a pergunta referida como "post anterior" e sobre se a "EC 58 tem aplicação automática ou há que ser fixado o número máximo (deliberado) por alteração na Lei Orgânica, antes de eventual posse de suplentes? Outra situação: se isso ocorrer não resultará numa quebra de "legitimidade democracia", pois como explicar que em municípios com população semelhante ou idêntica, o número de representantes pode ser diferente? Aí passaria valer a máxima de que o que "importa é a qualidade e não a quantidade"? Aqui vale lembrar que o STF declarou inconstitucional alteração promovida em Lei Orgânica que desconsiderava a proporcionalidade ditada anteriormente pelo STF e TSE."

Realmente acho muito interessante esse ambiente de debates. Também, com as vênias de estilo, entendo acertada a decisão prolatada pela Ministra Cármen Lúcia e acredito que a mesma merece ser referendada pelo Plenário.

Também sou participante da Comunidade de Eleitoralistas e gosto muito de Política e das desafiantes questões que envolvem o Direito Eleitoral.
Abraços,
Itamar José Fernandes – Patos de Minas/MG
Anônimo disse…
A Lei Orgânica Municipal não tem poderes para vetar a posse dos novos Vereadores, pois está subordinada a Constituição Federal.

A Emenda Constitucional não tem efeito retroativo, simplesmente foram estabelecidas novas regras de proporcionalidade abrindo mais vagas de Vereadores.

No tocante a aplicabilidade, Artigo primeiro não depende do terçeiro, pois toda Emenda Constitucional deve ser aplicada de imediato após a data da sua promulgação. Portanto, o artigo primeiro rege as novas proporcionalidades que deverão ser aplicadas de imediato.

As Leis Orgânicas já estão obsoletas tendo em vista que antes a Constituição estipulava limites mínimos e máximos de Vereadores e agora só estipula o limite máximo baseado na população de cada município.

Caso o artigo terceiro seja declarado como inconstitucional pelos magistrados da Suprema Corte (o que eu acredito ser muito difícil), o artigo primeiro terá plena validade podendo ser aplicado de imediato, ou seja, não implicará em nada quanto a aplicabilidade da emenda de forma imediata.

Gostaria de enfatizar também que a emenda não alterou o processo eleitoral. Os suplentes também participaram do pleito eleitoral de 2008 e foram votados pelo povo, só não são Vereadores porque a resolução injusta do TSE não permitiu.

Hoje, a lei foi corrigida pelo parlamento através de uma PEC gerando novas proporcionalidades fundamentadas que devem ser aplicadas de imediato pois a emenda já está vigorando.
Rejane disse…
A emenda constitucional 25/2000 previa o repasse de 8% de executivo para o legislativo, tal percentual diminuiu para 7%, devido a que isso diminuiu?

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