Inelegibilidade decorrente de rejeição das contas: os políticos se dão conta da novidade perigosa.

A Folha de São Paulo de hoje especulou o alcance da inelegibilidade cominada potenciada criada pelo Tribunal Superior Eleitoral para o caso de rejeição das contas prestadas, com a conseqüente negativa de certidão de quitação eleitoral, objeto de nossa análise em posts anteriores. Eis o texto da matéria:


São Paulo, domingo, 13 de abril de 2008

Norma do TSE põe em risco candidatura de Marta em SP .

Só obterá quitação eleitoral quem tiver contas aprovadas em eleições anterioresEm SP, Marta teve rejeitadas as contas da campanha à reeleição em 2004; dúvidaé se regra já vale ou só será aplicada em eleições futuras .
CATIA SEABRADA REPORTAGEM LOCAL. - Uma novidade do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) promete polêmica nas eleições deste ano, impondo risco às duas principais candidaturas à Prefeitura de São Paulo, especialmente à da ministra do Turismo, Marta Suplicy (PT). Resolução de 28 de fevereiro fixa a aprovação da prestação de contas em eleições anteriores como exigência para registro de candidaturas no país.Pela resolução nº 22.715, só é concedida certidão de quitação eleitoral a quem tiver contas aprovadas: "A decisão que desaprovar as contas de candidato implicará o impedimento de obter a certidão de quitação eleitoral durante o curso do mandato ao qual concorreu". Essa certidão é um dos pré-requisitos para que haja o registro de candidaturas. A dúvida é se essa regra já vale neste ano ou se será aplicada apenas em eleições futuras. Em São Paulo, a ex-prefeita Marta teve rejeitadas as contas da campanha de 2004, quando concorreu à reeleição. Recurso apresentado ao TSE foi negado em dezembro de 2007. No caso do ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB), seu principal adversário, um parecer técnico da Coordenadoria de Exame de Contas Eleitorais e Partidárias do tribunal recomendou a rejeição da prestação de contas relativa às eleições presidenciais. O parecer, porém, não foi submetido a voto. O TSE ainda não se manifestou sobre a aplicabilidade da norma. Marta, por exemplo, não teria direito à certidão até o fim de 2008, caso ela já valesse. Essa é a opinião do presidente do TSE, ministro Marco Aurélio Mello. "Nós legislamos? Substituímos o Congresso? Não. Interpretamos a lei. Se a lei está em vigor em data pretérita, evidentemente a interpretação diz respeito a essa lei." Embora afirme que "a falta de certidão estampa uma irregularidade", Marco Aurélio diz que só vai expor sua opinião sobre o indeferimento do registro de candidaturas quando o caso chegar ao TSE. O PMDB do Rio Grande do Sul já apresentou uma consulta ao tribunal. O ministro Marcelo Ribeiro afirma que o tribunal "decidiu na eleição passada que, no conceito de quitação eleitoral, inclui-se a aprovação das contas de campanha". Já o relator da resolução, ministro Ari Pargendler, diz que a norma só vale para a próxima eleição. "Evidentemente, a nova regra vale para o futuro, não apanhando fatos acontecidos na vigência da norma anterior."Tradicionalmente contratado pelo PT, o advogado Hélio Silveira afirma que a regra só vale para futuras eleições por estar na resolução sobre arrecadação e prestação de contas, não na que determina regras para o registro de candidatura." Claro que alguém tentará impugnar a candidatura de Marta. Mas será luta política. Não técnica."O advogado Ricardo Penteado diz que seu cliente, Alckmin, "jamais teve contas rejeitadas".
O Min. Marco Aurélio, como sempre, advoga a tese de que as novas regras editadas pelo TSE seriam interpretação de normas já existentes; não teriam os Ministros legislado. Já o Min. Pargendler prefere chamar as coisas pelo nome: trata-se de nova regra que, em seu sentir, apenas poderia ser aplicada no futuro. Bem, se levarmos em conta a experiência recente do TSE, como se deu com a verticalização de coligações e a criação judicial de prazo de decadência para as representações contra as condutas vedadas aos agentes públicos, a aplicação será para já, pondo em risco as candidaturas de muitas lideranças nacionais e locais.

Essa matéria terminará sendo objeto de modificação - presumo eu - ou será mitigada, na prática, a análise das contas quando do seu julgamento. A experiência da eleição de 2006 demonstrou que regras muito firmes sobre prestação de contas poderiam acabar gerando resultados jurídicos gravíssimos, como a possibilidade concreta de rejeição das contas de Lula e Alckmin. Quem viver, verá... Qual a sua opinião? Comente.

Comentários

Unknown disse…
Grande professor Adriano Soares!!!

Estou finalizando um comentário sobre o seu artigo postado nesse blog acerca das inovações nas regras de prestação de contas trazidas pela Res. 22.715 para as próximas eleições. Mas para desde logo contribuir para o debate, segue notícia do site do TSE, relativa ao PA 19899, no qual se cogita a incidência retorativa da norma do art. 41 §3º da Res. 22.715/TSE para as eleições de 2006 (ou até mesmo de 2004).

Grande Abraço

Luis Gustavo Severo


Adiado julgamento do processo que trata de omissão em prestação de contas e restrição à quitação eleitoral -15 de abril de 2008 - 22h54 O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) adiou o julgamento do Processo Administrativo (PA) 19899, que trata de omissão em prestação de contas e restrição à quitação eleitoral. O presidente do TSE, ministro Marco Aurélio, sugeriu que a matéria somente seja julgada com a composição plena da Corte - todos os ministros efetivos -, e a participação do presidente eleito do Tribunal, ministro Carlos Ayres Britto. Por isso o pregão do processo, iniciado na sessão administrativa desta terça-feira (15), foi cancelado.

O TSE vai decidir, na apreciação do PA 19.899, os efeitos da Resolução sobre prestação de contas de candidatos às eleições.

O relator da matéria, ministro Ari Pargendler, informou aos demais integrantes do Tribunal que incluiu, na Resolução 22.715/08 sobre prestação anual de contas, “parágrafo que atribui efeitos à decisão que desaprova contas”. “Antes a falta de prestação de contas impedia a expedição de certificado de quitação. Agora, a própria desaprovação, ou seja, a prestação de contas mal feita e, portanto, desaprovada também inibe o fornecimento da quitação”, disse o ministro.

A decisão vai esclarecer se a norma se aplica a eventos futuros ou apanha situações anteriores à edição da norma, segundo o relator. “Isso é importante porque no estado atual a corregedoria não tem como automaticamente recuperar essas desaprovações de contas. Então, se nós entendermos que se aplica ao passado haveria essa impossibilidade de dar efetividade à Resolução, demandaria um tempo para se recolher esses dados”, afirmou.

“Minha posição é de que nós não podemos apenar alguém sem que a norma seja anterior ao fato. Portanto, entendo que essa inibição na obtenção da quitação se refere só ao exercício de 2009, quando a prestação de contas é relativa ao exercício de 2008, senão nós estaríamos atingindo fatos passados com base numa lei posterior”, disse o ministro-relator.

Divergência

O presidente do TSE divergiu afirmando que quando o Tribunal edita uma Resolução, edita “a partir do arcabouço normativo em vigor”. “Nós não legislamos, porque incumbe ao próprio Congresso legislar. Nós atuamos de forma genérica, como órgão consultivo. Antecipamos até, mesmo porque é o colegiado quem edita a Resolução, o nosso convencimento sobre as diversas matérias. Então, quando explicitamos, – reconheço que só explicitamos agora e o cumprimento inclusive pela percuciência ao fazê-lo, como relator da Resolução – quando nós especificamos que no caso a quitação também deve abranger a prestação de contas nós consideramos a legislação anterior, a legislação já existente”. “Como ninguém pode deixar de observar a legislação alegando a ignorância a respeito, nós teríamos a aplicação sem decepção para a sociedade brasileira, nós teríamos a aplicação da lei pretérita já nas eleições de 2008”.

“Esse vai ser o meu voto sobre o tema, mas me preocupa muito um recuo agora, entendendo-se que editamos a Resolução não para as eleições de 2008, mas para as eleições de 2010. Seria muito cedo e a nossa Resolução seria temporã se ela realmente ganhasse essa conotação”, defendeu o ministro Marco Aurélio.

“Nós diríamos simplesmente: Bem, a inobservância quanto à prestação de contas das regras estabelecidas até aqui não tem uma eficácia maior”, acrescentou. “Nós estaríamos dando à legislação de regência um termo inicial, que não condiz com a própria legislação de regência. Eu acho que a nossa divergência está nisso. Eu não concebo que o Tribunal legisle. Não concebo”, reforçou o presidente do TSE.

“Se nós assentamos que a legislação anterior não previa impossibilidade de se ter a certidão de quitação eleitoral e agora assentamos que a legislação em vigor prevê, seria necessário criar uma regra nova e a regra nova não veio à baila”. O ministro Marco Aurélio lembrou decisões anteriores do Tribunal como a não aprovação de contas com ressalva.

“O que nós fazemos é interpretar e interpretar numa evolução constante a ordem jurídica, atendendo até às circunstancias reinantes e aos novos ares vivenciados pelo país”. “Vou pedir licença (ao relator) para não implementar aí um recuo no que é veiculado na nossa Resolução aprovada. E creio que deveríamos aguardar a presença do ministro Carlos Ayres Britto (novo presidente do TSE), já que o ministro participou da aprovação da Resolução”. “E eu me lembro de uma passagem de um romance de John Steinbeck, com o título 'O inverno da nossa desesperança'. No final desse romance, nas últimas folhas, ou na última folha, nós temos uma máxima que é muito verdadeira: 'Quando uma luz se apaga' - e ela se apagará para a sociedade brasileira se recuarmos nessa matéria – 'é muito mais escuro do que se ela jamais houvesse brilhado'”.
Unknown disse…
Moderador: Obrigado, Luís Gustavo. Uma observação: a posição do Min. Marco Aurélio é coerente: ou se trata de regra nova, e o TSE não poderia criá-la (como de fato criou, afirmo eu), ou se trata de evolução hermenêutica, e poderia ser aplicada desde já para as contas reprovadas nas eleições passadas. O fato é que o TSE mais uma vez está legislando e criando por resolução nova hipótese de inelegibilidade.

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