Um caso único: o julgamento que terminou empatado

O Tribunal Regional Eleitoral de Alagoas tem sido um órgão respeitado por suas decisões nas eleições de 2008, muitas delas rigorosas por demais, tendo sido o primeiro do país a se pronunciar sobre as chamadas "candidaturas itinerantes", tendo declarado a inelegibilidade dos prefeitos municipais para um terceiro mandato consecutivo ao Poder Executivo, ainda que em outra circunscrição do pleito. A decisão foi mantida por maioria pelo TSE (penso que a questão ainda está aberta e desafiará novas discussões futuras), que passou a acatar a existência do que denominou-se políticos profissionais (!), seja lá o que com esse rótulo se designe.

Mas além das inovações jurídicas interessantes, terminou no dia de hoje fazendo surgir uma nova figura jurídica: o julgamento colegiado com resultado empatado. As partes não vencem nem perdem: empatam! E o empate é visto, ao menos na prática, como a vitória de quem está no poder e nele permancerá, mesmo estando a questão litigiosa inconclusamente decidida.

A notícia foi postada no blog do Célio Gomes, no portal da Gazetaweb (aqui):

Procuradora quer anular julgamento do caso Doda Cavalcante no TRE

Qui, 19/03/09
por Celio Gomes
categoria Política
Foto: Maíra Villela

17h03 - O Ministério Público Eleitoral vai entrar com ação para anular o julgamento que acaba de ocorrer no TRE. É o caso de Doda Cavalcante (PMDB), prefeita de Matriz do Camaragibe - como o blog informa no post anterior.

A procuradora Niedja Kasparay disse agora há pouco que o que houve foi “um absurdo” e que “nunca viu” nada parecido. Segundo a procuradora, o TRE atropelou seu próprio regimento. Ela se refere à decisão do desembargador Orlando Manso, que impediu a participação da juíza Ana Florinda no julamento.

FOI EMPATE. MAS DODA GANHOU

Parece estranho. O placar no julgamento de Doda Cavalcante deu empate, 3 a 3. Quando o placar estava em 3 a 2 pela procedência da ação, ou seja, contra Doda, o presidente Manso deu seu voto a favor da prefeita - e empatou o jogo. E acabou o caso.

Isso sim é que é polêmica.

TRE mantém Doda Cavalcante prefeita de Matriz; julgamento foi polêmico

Qui, 19/03/09
por Celio Gomes
categoria Política

16h37 - Está decidido. A prefeita Doda Cavalcante (PMDB) garantiu seu mandato na Prefeitura de Matriz do Camaragibe, Litoral Norte de Alagoas. O Tribunal Regional Eleitoral acaba de julgar recurso que tentava anular a eleição, alegando que a prefeita representaria a perpetuação de um grupo político no poder.

Houve certo constrangimento durante a sessão porque a juíza Ana Florinda foi impedida de votar no julgamento. O desembargador Orlando Manso, que preside a reunião no TRE, disse que ela desconhecia a causa e, portanto, estava fora da votação. O julgamento começou em sessão anterior, da qual a magistrada esteve ausente.

O advogado Fábio Ferrário, que defendia os autores da ação contra Doda Cavalcante, alegou que a juíza poderia ser informada ali mesmo durante a sessão, sem qualquer problema. Para isso, as partes fariam um resumo dos autos. Havia consenso quanto a isso.

O desembargador Orlando Manso permaneceu irredutível. Disse não, e a juíza do TRE não participou do julgamento. Em votação apertadíssima, a decisão de Manso foi polêmica.

Voltei.

O Regimento Interno do TRE/AL, em seu art.63, prescreve o seguinte, em caso de empate:

Art. 63. Havendo empate na votação, o Presidente terá voto de desempate, salvo quando se tratar de matéria constitucional em que votará obrigatoriamente.

E o presidente da seção de julgamento é o presidente do Tribunal ou o seu substituto regimental, na forma da ordem definida no art.39 da Res.-TRE/AL 12.908/2006. Logo, se o vice-presidente do Tribunal estava substituindo o presidente da Corte e impediu um dos juízes de votar, ficando em número par a composição para o julgamento, não poderia ter votado, empatando o processo de votação em que a maioria do juízes daquela composição mutilada já havia decidido a matéria.

Agora, temos o primeiro caso na história de um julgamento sem vencido e vencedor, em que o Poder Judiciário não declara a quem pertence o direito, despedindo-se da sua função precípua: prestar a tutela jurisdicional. Fico a imaginar como será a redação deste Acórdão.

E você, eleitoralista, o que acha desse julgamento? Opine e participe!

Comentários

Anônimo disse…
É no mínimo estranho o fato do presidente do e. TRE/AL ter impedido a juíza de votar na sessão ao argumento de que ela "desconhecia a matéria". Se fosse o caso da juíza não se sentir segura (por qualquer motivo) para votar, caberia a ela juíza pedir vista, "conhecer a matéria" e trazer os autos na sessão seguinte para então votar com o Relator ou instalar a divergência. Mas pelo relato das matérias, me parece ser "engenharia de obra pronta" para propositalmente não resolver o mérito e manter a prefeita no cargo. É mais uma aberração jurídica e total descaso com o direito eleitoral e os jurisdicionados. Vergonhoso.
Anônimo disse…
Adriano,

Há um precedente antigo no TRE-AL, em meados de 1998, idêntico a este narrado no que tange ao voto do presidente, refiro-me a um recurso inominado em sede de AIME, oriundo da Zona Eleitoral de Olho d'Água das Flores, quando a então prefeita saiu vitoriosa em razão de voto de desempate do então Presidente da Corte - Geraldo Tenório.

À época utilizou-se o art. 125, § 2º do RI do TRE-AL, por analogia.
Anônimo disse…
Professor Adriano, polêmico seria pouco, a referida decisão não apenas desrespeita a razoabilidade, mas também desprestigia a Corte quando impede, sem conhecer as razões do julgador impedido, de atuar no processo. Quem compete avaliar se está apto a julgar ou não é o julgador e não o Presidente da sessão. Se durante os demais votos, o julgador ausente entender ser possível sua participação, nao poderá o Presidente interferir, pois se assim o for estará usurpando de seu poder, podendo até mesmo responder por abuso de autoridade. Não menos por isso, na hipotese de verificar a ausencia de quorum para desempatar a votação, cumpriria ao mesmo ordenar a convocação do suplente, o que seria desnecessário e contraditório com a anterior decisão de impedir a julgadora de participar do julgamento, pois o mesmo igualmente nao conheceria os fatos, os quais deveriam ser novamente relatados. Infelizmente, ao invés dos julgadores desburacratizarem o processo, criam factóides para conduzir a suas vontades. Há juizes em Berlim e no Brasil?

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