Censura à internet: Reinaldo Azevedo analisa sob o ponto de vista dos blogs

Muitos não gostam de Reinaldo Azevedo. Na contenda que existe hoje entre jornalistas, não faltam críticas a ele. Também não faltam elogios. Distanciando-me dos embates e das posições antipetistas de Azevedo, de resto por ele mesmo reconhecidas e assumidas, prendo-me ao que julgo excepcional em seus textos: o trato carinhoso ao vernáculo e a exposição clara das suas idéias. Os que não o suportam, leiam como se não tivesse sido ele quem escreveu. Prendam-se à sua exposição clara e coerente, que poderá contribuir para o nosso debate.

Aliás, sobre o tema já está criado um fórum de debates na Comunidade dos Eleitoralistas.

Abaixo, publico um texto seu, postado hoje em seu blog, que analisa o absurdo da resolução publicada pelo Tribunal Superior Eleitoral, assim como as suas absurdas contradições práticas, que gerarão confusão e excesso de demandas. Segue o texto:

A DITADURA DO TSE 1 – Tribunal quer agora censurar a Internet. Vamos para a Coréia do Norte. Lá seremos livres!
Vocês imaginam o que aconteceria se algum juiz, nos Estados Unidos — aquela democracia irrelevante, vocês sabem... — resolvesse impedir um jornalista ou qualquer cidadão de expressar, pouco importa por que meio, uma opinião política? A decisão não duraria cinco minutos, e o valente seria desmoralizado. A razão é simples: a chamada Primeira Emenda proíbe a censura. No Brasil, vejam nos posts abaixo, o TSE decidiu criar restrições à divulgação de informação jornalística sobre os candidatos na Internet. Também quer proibir manifestações individuais sobre candidaturas em blogs e páginas de relacionamento.

Como assim?

Uma resolução do tribunal equipara a Internet às televisões e às rádios, que são concessões públicas. As emissoras não podem expressar opiniões sobre candidatos e têm de garantir igual tempo aos postulantes. Jornais e revistas não estão submetidos a essas restrições. Eu poderia, por exemplo, escrever um artigo na VEJA criticando este ou aquele candidatos, mas estaria impedido de reproduzir tal artigo no meu blog. É ridículo.

É uma piada funesta.

Falei em Primeira Emenda? O que ela diz mesmo? “Congress shall make no law respecting an establishment of religion, or prohibiting the free exercise thereof; or abridging the freedom of speech, or of the press; or the right of the people peaceably to assemble, and to petition the Government for a redress of grievances."

O Congresso (e qualquer Poder) fica proibido de criar leis que:
- definam uma religião oficial ou impeçam o livre exercício da crença religiosa;
- limitem o direito à liberdade de expressão ou de imprensa;
- limitem o direito à livre associação pacífica dos cidadãos;
- limitem o direito de o cidadão apresentar petições ao governo se considerar seus direitos agravados.

Assim é num país democrático, num país livre. Não muda: é fundamento. Pesquisem a respeito da batalha do pastor Jerry Falwell contra o pornógrafo, ainda na ativa, Larry Flynt ou vejam o filme O Povo Contra Larry Flynt, de Milos Forman. A fita exagera um tanto, transformando o empresário num paladino da liberdade de expressão. Mas o fato inegável é que a Suprema Corte decidiu que o lixo editorial que ele produzia e produz na revista Hustler não podia e não pode ser censurado, ainda que abrigue um texto ofensivo — como era o caso: ele disse coisas cabeludas sobre a mãe do pastor, que o perseguia. Processar pode? É claro. Tentar arrancar uma indenização milionária pode? É o que mais se faz por lá. Mas censurar não pode.

O TSE está renunciando a seu papel de juizado das eleições para se transformar num tribunal de censura, que, ademais, legisla também — e do modo como lhe dá na telha. Com base em que texto legal ele decidiu que sites, blogs e páginas de relacionamento estão subordinados à mesma legislação da TV e do rádio? Quer dizer que a Folha On Line não poderá reproduzir artigos opinativos publicados pela Folha? Idem para o Estadão On Line? O mesmo para a VEJA.com? Folha, Estadão e VEJA são agora concessões?

Eu já considero descabidas as restrições impostas ao rádio e à TV. O único critério de um programa jornalístico deve ser o interesse jornalístico. Ponto. O fato de ser uma concessão pública não deveria interferir no critério. Mas vá lá... Muitos alegam que emissoras de rádio e TV são distribuídas segundo a lógica do compadrio e acabam caindo na mão de políticos, que as usam para atacar adversários e se eleger. Tá, até posso conceder. Embora caiba uma observação óbvia: fosse a Justiça ágil para julgar, o abuso poderia ser punido sem precisar apelar à camisa-de-força. A matéria, no entanto, é delicada.

Mas por que a Internet? Não ocorre aos senhores magistrados que liberar, nesse caso, é melhor do que proibir? Explico: se um candidato ou partido não gostam da página A ou B, nada os impede de criar a sua própria. Mal saímos de uma refrega em que promotores eleitorais e um juiz consideraram “propaganda antecipada” entrevistas jornalísticas, e já há um novo caso na praça, este ainda mais escandaloso. Se um brasileiro decide criar uma página chamada “Eu odeio a Marta”, o que impede o petista de ter a sua “Eu odeio o Kassab e o Alckmin”? Ademais, a Constituição brasileira protege a liberdade de expressão e proíbe a censura prévia.

Algo de estranho se passa no TSE. Há eleições a cada dois anos no Brasil. Durante um bom tempo, a Justiça Eleitoral comandou a modernização do país nessa área, com a universalização das urnas eletrônicas. Era um fator de progresso. De uns tempos para cá, no entanto, cismou de ser Executivo, Legislativo e Judiciário na base da penada. E tem metido os pés pelas mãos.

Ora, eleições são mesmo períodos de celebração democrática, e o livre exercício da informação e da opinião — o Código Penal está aí com a sua impressionante lavra de crimes definidos — só pode contribuir para que o eleitor faça a sua escolha com mais critérios. Mas não para o tribunal: estamos diante da velha mania de tratar a população como menor de idade ou como idiota.

Parece que os togados querem nos proteger das más influências para que nosso voto seja mesmo consciente, sem qualquer manipulação. Já disse e repito: para alguns ministros do TSE, o melhor ambiente para se realizar uma eleição seria uma ditadura. Assim ficaríamos todos preservados das tentações da democracia. Essa gente foi longe demais.

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