Casuísmo do bem? A flexibilização do art.16 da CF/88
"Na linha do que sustentou o ministro Sepúlveda Pertence no julgamento da ADI 354, também eu entendo que, para as finalidades do art. 16 da Constituição, o conceito de processo eleitoral há de ter compreensão e ‘extensão tão ampla quanto seus termos comportam’ (voto na ADI 354, RTJ 177/1074). Toda norma com aptidão, ainda que em bases minimalistas, de interferir no exercício da soberania popular, expressa pelo sufrágio universal e voto secreto, seja para impor novos condicionamentos, seja para suprimir os que já vinham sendo tidos como parte integrante do acervo normativo destinado a reger as disputas eleitorais, cai no campo da incidência do art. 16, isto é, altera o processo eleitoral.
(...)
Não é preciso grande esforço interpretativo para se concluir que mudança de tal magnitude, introduzida a poucos meses do início formal da disputa eleitoral, caso tenha admitida sua aplicação às eleições do corrente ano, não apenas interferiria de maneira significativa no quadro de expectativas que o eleitor (titular dos direitos políticos) e as agremiações partidárias vinham concebendo em vista do pleito que se avizinha, mas também – e isso não há dúvida – teria formidável impacto no respectivo resultado." (voto do Ministro Joaquim Barbosa na ADI nº 3.685-8/DF)
"O pleno exercício dos direitos políticos por seus titulares (eleitores, candidatos e partidos) é assegurado pela Constituição por meio de um sistema de regras que conformam o que se poderia denominar de devido processo legal eleitoral. Na medida em que estabelecem as garantias fundamentais para a efetividade dos direitos políticos, essas regras também compõem o rol das normas denominadas cláusulas pétreas e, por isso, estão imunes a qualquer reforma que vise a restringi-las ou subtraí-las.
O art. 16 da Constituição, ao submeter a alteração legal do processo eleitoral à regra da anualidade, constitui uma garantia fundamental para o pleno exercício de direitos políticos. As restrições à essa regra trazidas no bojo da reforma constitucional apenas serão válidas na medida que não afetem ou anulem o exercício dos direitos fundamentais que conformam a cidadania política.
Portanto, é preciso analisar em que medida a EC nº 52/2006, ao afastar a aplicação da regra da anualidade do art. 16, restringiu o pleno exercício da cidadania política por parte de seus titulares: partidos políticos, cidadãos-candidatos; e cidadãos-eleitores.
(...)
Ao analisar a disposição do art. 16 da CF, observa-se que se trata de norma que assume como pressuposto o fato de que o constituinte derivado está vinculado à observância de um prazo mínimo. De outro lado, a promulgação de uma modificação do complexo normativo do processo eleitoral deve assegurar a existência, funcionalidade e utilidade dos direitos e garantias institucionais dos múltiplos sujeitos envolvidos.
(...)
... a afetação das situações jurídicas subjetivas dos candidatos, pode importar também restrição dos direitos político-eleitorais fundamentais do cidadão, especialmente aquele caracterizado pelo exercício juridicamente seguro e estável da soberania por intermédio do sufrágio periódico e universal.
Uma vez que essa situação jurídica dos candidatos se encontra caracterizada na forma das normas vigentes do processo eleitoral, eventual alteração significativa nas ‘regras do jogo’ frustrar-lhes-ia ou prejudicar-lhes-ia as expectativas, estratégias e planos razoavelmente objetivos de suas campanhas. Poder-se-ia cogitar ainda, mesmo que indiretamente, de influências indevidas no próprio resultado do processo eleitoral.
(...)
A partir do raciocínio exposto até aqui, a discussão acerca da aplicação da EC nº 52/2006 não pode ser limitada às afetações/restrições de direitos e garantias dos partidos políticos, dos cidadãos-candidatos e dos cidadãos-eleitores.
(...)
Por todas essas razões expostas em meu voto, não há como compatibilizar a aplicação imediata da alteração introduzida pelo art. 1º da EC nº 52/2006, com a norma do art. 16 da CF sem conformar a cláusula de vigência daquela inovação legislativa (art. 2º da EC nº 52) com este último dispositivo constitucional." (voto do Ministro Gilmar Mendes na ADI nº 3.685-8/DF)
Comentários
Diversos outros princípios constitucionais estão sendo descumpridos, tal a garantia do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, da presunção da inocência até o transitado em julgado, da segurança jurídica e de vários outros direitos e garantias fundamentais, incluindo o direito à cidadania, o de votar e ser votado.
Por enquanto, julgou-se o secundário no âmbito da efervescência política; em seguida, a "ficha vai cair" e a matéria principal da Lei do Ficha Limpa não deverá se sustentar.