Tutela inibitória e descumprimento continuado das decisões judiciais: o caso das centrais sindicais

A Justiça Eleitoral está sendo testada todos os dias nas eleições de 2010. Sobretudo em relação ao papel político que as centrais sindicais podem desempenhar no processo eleitoral, utilizando-se do seu poder de mobilização, custeado com recursos públicos, para beneficiar candidaturas simpáticas aos seus líderes. E há quem abertamente passe a desafiar a Justiça Eleitoral, mesmo tendo recebido multas por descumprimento das normas eleitorais. Cito como exemplo o deputado federal Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), presidente da Força Sindical, como noticiado pela Folha de S. Paulo de hoje, em matéria assinada por Fernando Gallo (aqui):
O presidente da Força Sindical, deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), fez ontem, em São Paulo, apologia à pré-candidatura de Dilma Rousseff (PT) e atacou duramente José Serra (PSDB), chamado de "esse sujeito".
"Não podemos deixar esse José Serra ganhar as eleições. Ele vai tirar direitos dos trabalhadores, mexer no fundo de garantia, nas férias, na licença-maternidade", disse ele, num evento com membros de movimentos sociais, que reuniu 2.600 pessoas.
Paulinho pediu que os trabalhadores se unam "para manter o projeto de Lula e eleger Dilma presidente".
Após o discurso, debochou de uma possível multa do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). "Então é isso. Hoje tomei mais uma", disse.
A fala do presidente da CUT (Central Única dos Trabalhadores), Artur Henrique, também foi em tom de campanha. Saudou os presentes com "bom Dilma" e atacou Serra e o governo paulista.
"É a gestão do PPPP. Privatização, presídio, pedágio e paulada em professores e movimento social", disse.
Em seguida, encerrou com um trocadilho: "Nós precisamos de uma... de uma... [mesma pronúncia de "Dilma", reforçando a semelhança sonora] de uma mulher para dar continuidade aos projetos do governo."
Ora, penso que já é hora de ser utilizada a tutela inibitória em caso de reiterado descumprimento de decisões judiciais, sem que isso se configure censura prévia. De fato, quando há uma conduta reiterada de desobediência às decisões da Justiça Eleitoral, é porque conscientemente os infratores já fizeram o cálculo político de que pagar a multa, mesmo que dobrada, é melhor do que parar a atividade irregular e já reprovada judicialmente. Aqui, fica nítido que a tutela repressiva ou ressarcitória se mostra insuficiente para proteger o bem jurídico tutelado, havendo uma preocupante erosão da autoridade do Tribunal Superior Eleitoral.

A legislação eleitoral há de ser cumprinda, respeitada, para que a democracia seja formalmente preservada. As decisões da Justiça Eleitoral visam a dar concretude àquelas normas, afastando obstáculos ao seu cumprimento ou promovendo os meios materiais para a sua execução. Descumprir reiteradamente as ordens emanadas da Justiça Eleitoral é método de desmoralização das instituições democráticas, com a finalidade de submeter à vontade de uma minoria organizada as normas jurídicas e o Poder Judiciário.

Aqui, resta evidente a necessidade de que a Justiça Eleitoral utilize o seu poder geral de cautela, colmatando por via analógica eventuais lacunas no sistema, para ofertar verdadeira tutela preventiva de natureza inibitória aos interassados, que não podem bater às portas do Poder Judiciário apenas após os sucessivos e reiterados descumprimentos de decisões judiciais. Não há de ficar a Justiça Eleitoral constantemente aguardando as sucessivas violações do direito para ficar aplicando a tutela ressarcitória ou a tutela puniva. O bem jurídico tutelado em casos que tais exige mais; impõe a tutela preventiva por meio de medidas inibitórias, impedindo que a violação do ordenamento jurídico ocorra reiteradamente, mantendo íntegra a autoridade do Poder Judiciário.

Como nos ensina uma das mestras peninsulares, Cristina Rapisarda (Profili della tutela civile inibitoria, Padova: Cedam, 1987, p.90), a tutela inibitória é reclamada pela existência de um comportamento ilícito que se concretiza em uma atividade continuada, é dizer, em uma pluralidade de atos suscetíveis de repetição:

“L'esperibilità della tutela inibitoria dipende, normalmente, dall'esistenza di un comportamento illecito che si concreti in una attività a carattere continuativo, ovvero in una pluralità di atti suscettibili di ripetizione”.

O que a tutela inibitória visa é justamente impedir que o ilícito futuro ocorra, tendo em vista condutas ilícitas anteriores. Por isso Rapisarda (ob.cit., p.91) dirá que “La tutela stessa prescinde, infatti, dagli effeti dell'atto ou dell'attvità illecita, siano esse dannosi o meno, poichè si dirige unicamente contro il pericolo di repetizione o di continuazione dell'illecito” (Tradução minha: “A tutela mesma prescinde, com efeito, que os efeitos do ato ou da atividade ilícita sejam mais ou menos danosos, porque ela se dirige unicamente contra o perigo de repetição o de continuação do ilícito”).

Não há, de conseguinte, como a Justiça Eleitoral e o Ministério Público Eleitoral fecharem os olhos para o desbragado abuso de certas centrais sindicais, independentemente da bandeira que defendam, com toda a sorte de estratagemas que beiram ao cinismo para subverter a ordem jurídica. Por isso, ou preventivamente se tomam medidas inibitórias que ponham fim à campanha eleitoral antecipada patrocinada pela Central Sindical e seus sindicatos filiados, ou a Justiça Eleitoral passará a impressão de impotência e leniência para com os que descumprem as suas determinações. Será um estímulo a este tipo de vale-tudo eleitoral.

E isso, meus caros, não faz bem à democracia.

Comentários

juraci disse…
Concordo plenamente.

Nas Eleições de 2006, quando atuei como PRE, em face da reiterada desobediência à legislação eleitoral,na qual a multa não surtia efeito para evitar o ilícito, propus ação pleiteando medida inibitória, no entanto, não obtive exito na Justiça Eleitoral, sob o fundamento de que a legislaçào eleitoral não admite a censura prévia.

abs, juraci guimaraes (e parabéns pelo blog)
Thiago Maia disse…
Esse constante desrespeito às decisões da justiça eleitoral realmente não faz bem para democracia. Embora a lei proíba a propaganda antecipada, no plano ideológico não tenho nada contra essa antecipação da campanha. Penso que o direito eleitoral, ao invés de reprimir o debate político para um período muito próximo da eleição, deveria estimulá-lo. Não me parece razoável um partido político já ter uma candidata publicamente conhecida e não poder sequer apresentá-la como tal em seu programa partidário. Penso esse tema está a merecer maiores reflexões numa futura reforma da legislação. Todavia, como a lei está em vigor e não foi declarada inconstitucional, todos devem cumpri-la mesmo que não concordem com o seu conteúdo. Penso que já está na hora da justiça eleitoral ter uma postura mais ativa no combate a essa prática que vem ganhando cada vez mais força nesse período pré-eleitoral. A tutela inibitória com certeza mostra-se adequada a essa finalidade.

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