Marco Aurélio de Mello: “Não sou justiceiro; lei não apanha fatos passados”

Reinaldo Azevedo:

Marco Aurélio de Mello: “Não sou justiceiro; lei não apanha fatos passados”

sábado, 19 de junho de 2010 | 5:51

Muitos bobalhões tentaram desqualificar a crítica que fiz à decisão do TSE sobre o Ficha Limpa lembrando que não são advogado, que não estudei direito, que essa não é a minha área… Não chamo de “bobalhão” quem discorda de mim, não - muitos comentários contrários à minha opinião foram publicados. Refiro-me àqueles que vieram com os não-argumentos. Pois bem. O ministro Marco Aurélio de Mello é “da área”. Há uma entrevista sua no Estadão de hoje. Parece que este escriba escreveu coisas razoáveis a seus leitores. Acompanhem.

Por Mariângela Gallucci:
Único ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a votar contra no julgamento da Lei da Ficha Limpa, Marco Aurélio Mello diz não ser “justiceiro” nem relações-públicas: “Não posso dar esperança vã à sociedade.”
Na quinta-feira, após o julgamento, que - por 6 votos a 1 - determinou a inelegibilidade de políticos condenados mesmo antes de 4 de junho, data da sanção da lei, ele afirmou: “Aprendi desde cedo que no sistema brasileiro o direito posto visa a evitar que o cidadão tenha sobre a sua cabeça uma verdadeira espada de Dâmocles. Aprendi que a lei não apanha fatos passados.”
Marco Aurélio acredita que a interpretação do TSE será questionada no Supremo Tribunal Federal porque há vários dispositivos constitucionais envolvidos no tema.

Por que o senhor votou contra?
Temos uma Constituição Federal que está no ápice das normas jurídicas. Por ela, uma lei que altere o processo eleitoral não se aplica às eleições que ocorram dentro de um ano a partir da promulgação da lei. É o artigo 16 (da Constituição). Eu não sou um justiceiro. Eu sou juiz. Não ocupo cadeira voltada a relações públicas. Se há coincidência entre o anseio popular e o meu convencimento, eu atuo. Mas, se não há, eu continuo atuando da mesma forma. Não posso dar esperança vã à sociedade.

O senhor acredita que a decisão será questionada no STF?
Essa matéria vai bater no Supremo. Por que o Congresso não aprovou antes essa lei? A bomba ficou nas costas do Judiciário.

O que pode ser discutido num eventual julgamento no STF?
Há várias matérias para serem elucidadas. Se a lei está sujeita ao artigo 16 da Constituição Federal, por exemplo. Ela encerra penas. E há um princípio básico segundo o qual a lei não retroage. Vamos ver. Como o colegiado é algo imprevisível, acaba sendo uma caixinha de surpresas.

A decisão do TSE vai tumultuar o processo eleitoral já que muitos políticos tentarão obter liminares na Justiça para participar do pleito de outubro?
Eu disse que o pronunciamento do tribunal implicaria a encomenda de uma missa de sétimo dia da lei. Por quê? Porque esse pronunciamento apenas embaralha tudo. O ideal seria deixar o tema amadurecer um pouco mais. Mas agora o bloco já está na rua.

Comentários

Thiago Maia disse…
O ministro Marco Aurélio parece ser a única opinião lúcida no TSE. Fiquei impressionado pela facilidade com que foram superados princípios constitucionais da maior relevância como a presunção de inocência, coisa julgada e a aplicação retroativa da lei eleitoral. Parece haver um temor de sustentar publicamente posição contrária a LC 135/10. Intrigou-me o ministro Marcelo Ribeiro ao afirmar que pessoalmente é contra a aplicação imediata e retroativa da lei e, apesar disso - por conta da jurisprudência do STF em sentido contrário - votou favoravelmente às consultas formuladas. Penso que as garantias conferidas à magistratura servem justamente para situações como essa. Sua razão de ser é permitir aos juizes atuar com independência e de acordo com as suas convicções, apesar do imenso clamor popular no sentido de potencializar ao máximo a aplicação da LC 135/10.
Admiro profundamente homens como o Ministro Marco Aurélio. Homens de sólido caráter, de profunda formação cívica e jurídica, côncio de seu papel na História e de sua posição na mais Alta Corte do País. Homem que reflete, não se empolga com o "discurso fácil", "do agradar para ser amado", do "agir politicamente correto para não ser mal interpretado".

Min. Marco Aurélio conhece o seu dever, que as vezes é o dever de tomar condutas que não soam simpáticas.

Sim, pois dizer ao povo o que ele deve ouvir é diferente de dizer o que ele espera ouvir, ludibriado ou não, por demagodos ou por uma opinião pública apelativa.

As vezes cabenos o "dever da antipatia", de dever de arrostarmos a vontade da turba na defesa de princípios maiores, maiores do que os chinelos dos que defendem, sem razão, a irrazão.

Creio que Marco Aurélio, e Celso de Mello, estão entre os homens públicos de mais destacada importância de nossa história atual. São cidadãos do mais alto porte moral.

São modelo para toda a magistratura, e serve de censor para juízes que "adoram o politicamente correto", ainda que esse o seja contra a Constituição e seu sistema de direitos e garantias fundamentais.

Viva Marco Aurélio, modelo de cidadão e magistrado!

Postagens mais visitadas deste blog

Reeleição de pai a prefeito com o filho candidato a vice

Judicialização de menos: mais democracia.

Inelegibilidade, elegibilidade, não-elegibilidade e cassação de registro