Fichas limpas e obscurantismo
Estou preparando um artigo doutrinário sobre a lei dos fichas limpas. Pretendo fazer uma análise criteriosa e sem paixão do texto que foi à sanção presidencial. Fazer uma interpretação conforme a regra de ouro de Pontes de Miranda: para interpretar uma lei, deve o intérprete colocar-se ao seu lado. É o que estou fazendo. Naturalmente que colocando-me ao lado da Constituição Federal, como não poderia ser diferente.
Gostaria de fazer apenas uma breve observação, antecipando-me aqui sobre teses que têm sido agitadas pelos defensores ideológicos do projeto de lei, que desejam vergar a Constituição até onde ela possa acolher a sua, do projeto de lei, integralidade, mesmo que para isso façam redondo o quadrado e vice-versa: não se pode pensar o Direito Eleitoral a partir do casuísmo das teses de momento, das ondas levantadas por determinados grupos de pressão. Aqui e ali surgem as mais inconsistentes fundamentações, todas despreocupadas com uma análise sistemática do ordenamento jurídico, com a única finalidade de fazer vencer à força uma bandeira de momento.
Foi assim com o art.41-A e a separação fátua entre inelegibilidade e cassação de registro ou diploma. Tantas foram as obtusidades sustentadas por uns e outros, que o Supremo Tribunal Federal terminou declarando a constitucionalidade daquela norma, sem contudo enfrentar o eixo do problema. Tudo ficou na superfície do Magister dixit, que tentou por um ponto final na grave questão jurídica, sem perceber que apenas jogou sombras imensas sobre o Direito Eleitoral.
Agora, mais uma vez voltamos ao faroeste conceitual do Direito Eleitoral, em que predomina a pistolagem retórica de muitos, a maioria estranhos à vivência desse ramo jurídico. São "autoridades intelectuais" que falam sobre o que não conhecem, atentos ao primeiro microfone aberto para que se manifestem sobre o tema do momento. E haja bobagens ditas despudoradamente.
Lamento muito que aproveitadores busquem o sucesso fácil com a bandeira da ética na política. Com palavras de ordem, ocupam espaços generosos na mídia, aparecendo como vestais, portando a última verdade sobre a nossa democracia, o infalível remédio que revolucionará os costumes. E só fazem prejudicar a lenta e gradual construção de um Direito Eleitoral maduro, em que a Justiça Eleitoral cumpre um papel importante, dentro de limites construídos pelo ordenamento jurídico e pela prática jurisprudencial. Atropelando a lógica do razoável, criaram um projeto de lei sem consistência, cuja aplicação terá consequências tão obscurantistas que poderá gerar um nefasto resultado: a impunidade!
Quem viver verá!
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