Entrevista do procurador regional eleitoral de São Paulo, Mário Luiz Bonsaglia

O procurador regional eleitoral de São Paulo, Mário Luiz Bonsaglia, ao deixar cargo, faz uma análise desancantada do processo eleitoral brasileiro. Uma das suas críticas é dirigida à legislação, que seria uma colcha de retalhos. Nesse ponto, discordo. A legislação eleitoral não mais sofre do antigo vezo de mutação constante. A que hoje existe decorre da mutação jurisprudencial, que inova constantemente sobre o velho, compulsivamente. Esse é um dos mais graves problemas do Direito Eleitoral. Segue a entrevista concedida ao Estadão:


''Haverá novos mensalões, haverá caixa 2''
Mario Luiz Bonsaglia, procurador regional eleitoral de São Paulo; Procurador prevê muitas irregularidades nas eleições deste ano e reclama dos critérios da Justiça; ele deixa o cargo na quarta.

Fausto Macedo

Mario Luiz Bonsaglia, procurador regional eleitoral de São Paulo por quatro anos ininterruptos, despede-se do cargo nesta quarta - "um tanto frustrado", ele admite, porque não prosperam, muito menos levam à condenação, as ações contra políticos que, para se eleger, abusam do poder econômico, da compra de votos e do uso da máquina pública. Nas eleições de 2006, Bonsaglia e seus colegas propuseram 57 ações de cassação de diplomação de 31 deputados, 12 federais e 19 estaduais - nenhuma foi julgada procedente. "Causa perplexidade porque as provas são robustas", desafia o procurador, que se insurge terminantemente contra o sigilo que protege os acusados em demandas eleitorais. "A Emenda 45 (reforma do Judiciário) acabou com o sigilo, salvo se o dado é da intimidade pessoal do político."Reconhecido por seu desempenho em apurações intrincadas que envolvem administradores em corrupção e improbidade, desde 1991 no Ministério Público Federal, doutor em Direito do Estado pela USP, Mario Bonsaglia faz um alerta sobre as eleições que se aproximam: "Haverá novos mensalões, haverá caixa 2."
Vem mais mensalão por aí?
Não podemos nos iludir no sentido de que não haverá mais caixa 2 e mensalão. Haverá sim, infelizmente haverá. Nas eleições municipais no Estado, verificamos a prática corriqueira de infrações muito grosseiras. Na maior parte dessas cidades não existe uma imprensa mais livre e atuante. Há fatos muito graves. A tendência em 2008 é de muitas irregularidades. A corrupção eleitoral é um crime clandestino, praticado freqüentemente sem testemunhas.
Caixa 2 não acaba?
O processo eleitoral de 2002 ficou famoso pela descoberta de uso de caixa 2. Mas tivemos um único caso de cassação de mandato de um deputado estadual, condenado por captação ilícita de sufrágio. Não é plausível imaginar que não tenha havido outras irregularidades graves que pudessem ensejar outras cassações. Com relação a 2006 estão aí 57 ações apontando irregularidades que poderiam ensejar cassação. Não temos a pretensão do perfeccionismo, de achar que todas as 57 deveriam ser acolhidas, embora as provas sejam fortes, conclusivas. Mas o fato de nenhuma ter sido julgada procedente causa perplexidade. Além disso, no Estado ninguém foi punido por doação eleitoral ilegal. Ingressamos com 60 ações e o TRE julgou todas improcedentes sob o argumento de que a Procuradoria tinha produzido prova ilícita ao requisitar informações diretamente da Receita, fora da via judicial. Mas a Lei Complementar 75, artigo 8º (Lei Orgânica do Ministério Público), nos dá o poder de requisitar informações sigilosas. É importante ressaltar que nessas ações o sigilo foi preservado, apenas tivemos acesso aos dados.
É um Brasil de faz-de-conta?
Há muita impunidade e a legislação é uma colcha de retalhos. O debate e o acompanhamento pela sociedade sobre o que se passa na Justiça Eleitoral poderão ajudar a mudar a mentalidade dos juízes, que levam muito em conta o fato de que houve uma vitória nas urnas. Há um cuidado excessivo em alterar esse resultado. O problema é que o resultado das urnas que tenha sido viciado pelo abuso do poder econômico, pelo uso da máquina pública ou pela corrupção eleitoral é inválido. E mais: a Justiça Eleitoral é célere na apuração dos votos, por meio eletrônico, e também para julgar direito de resposta. Fora disso, ela tende a ser tão lenta quanto a Justiça comum. Com o agravante de que a urgência é algo intrínseco no processo eleitoral porque, enquanto o candidato eleito está sendo processado, ele provavelmente já está ocupando um cargo público.
Sai decepcionado?
Saio um pouco frustrado, mas não esmorecido. O Ministério Público tem o dever de defender o interesse coletivo. Nossa técnica é aperfeiçoada a cada momento. Nas eleições de 2006 formamos uma equipe de procuradores bastante aplicados (Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, novo procurador-chefe eleitoral; Mônica Nicida Garcia e Isabel Groba Vieira), todos com larga experiência na área criminal e improbidade, dotados de grande capacidade técnica. As ações contêm fundamentos robustos. Os critérios da Justiça Eleitoral para apreciar essas ações levam ao forte sentimento de impunidade. No julgamento de casos de captação ilícita, o Judiciário examina as provas com rigor até mesmo superior ao de casos criminais, onde está em jogo a liberdade das pessoas.

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