Prestação de contas e processo administrativo: nosso leitor comenta.
Nosso leitor Miguel Chicre Bitar de Moraes comenta as suas preocupações sobre as prestações de contas eleitorais e a natureza administrativa do seu processo:
Trabalhei como dirigente do órgão de controle interno do TRE/PA, setor que analisa tecnicamente as prestações de contas de campanha e partidárias. Estou acompanhando o desenrolar dos casos nos TRE's e TSE que tratam da natureza das referidas contas, sendo que este Tribunal Superior já pacificou o entendimento de que elas possuem natureza eminentemente administrativa, e, portanto, devem ser jurisdicionalizadas a nível dos Regionais antes da eventual interposição de recurso de competência do TSE.
No entanto, li o seu recente artigo sobre as prestações de contas, que me deixou extremamente inquieto, sobretudo em face das incontáveis assentadas do TSE pacificando o tema de que não cabe recurso ao TSE em se tratando de prestação de contas, devendo ocorrer, previamente, a jurisdicionalização do caso ou o devido tratamento judicial a nível dos Regionais.
Nesse sentido, a não expedição de certidão de quitação eleitoral em face da rejeição da prestação de contas, sanção gravíssima uma vez que compromete a elegibilidade do candidato, remete ao entendimento de que os processos de prestação de contas assumem sim uma natureza eminentemente judicial e genuinamente eleitoral, jurisdicionalizando sim o feito. Tem acórdão do TSE sustentando que contas eleitorais não são matéria eleitoral, e que, portanto, são de natureza administrativa. Penso que isto é uma verdadeira aberração jurídica, haja vista que as contas eleitorais possuem estreitíssima vinculação com a atividade-fim da Justiça Eleitoral, assumindo caráter nitidamente eleitoral, quiçá judicial.
Com efeito, como não admitir recurso especial, ou outra espécie recursal cabível, diretamente ao TSE, em sede de processo de prestação de contas, considerando a gravidade da sanção em comento? Será que cabe a aplicação de sanção tão grave em proceso de natureza administrativa? Será que a prestação de contas não tem natureza judicial, levando a permitir a referida sanção em face da sua rejeição? E os processos eleitorais de natureza judicial que prevêem sanção mais leve, de menor gravidade do que a comentada?
Outrossim, penso que a desobediência a novel disposição que proíbe a assunção de dívidas de campanha pelos partidos políticos não gerará apenas ressalva. Em verdade, ela é suficiente para ocasionar, por si só, a rejeição das contas do candidato uma vez que a assunção de dívidas por terceiros é maquiagem ou rota para legitimar a entrada de recursos por via transversa e para legitimar as condutas tendentes a transferir a responsabilidade do candidato pela má gestão de sua campanha, ou seja, é aceitar, pura e simplesmente, o passivo a descoberto, o não fechamento das contas, inviabilizando a efetiva fiscalização da Justiça Eleitoral.
Comentários
Obrigado
Elias Lisboa - Entre Rios/Bahia
1) O sr. disse que a prestação de contas é um processo administrativo. Ora, se realmente o é, então porque nao aplicar a Lei 9784/99 ? Se é processo administrativo, então de acordo com a referida lei, deveria ser cabível uma miríade de recursos *ainda no ambito administrativo* e, uma vez constatada a coisa julgada administrativa, poderia-se partir para a esfera judicial! Como se pode admitir processo administrativo sem recurso ainda no ambito administativo? Haveria evidente violação à lei do processo administrativo federal.
2. Um colega me informou que se divulgou que, devido à suposta natureza administrativa do procedimento de tomada de contas, não seria cabível a ampla defesa. Ora, a ampla defesa, não seria cabível qualquer que fosse a natureza do processo (administrativo ou judicial), à luz do que dispõe o art. 5º, LV da CFR/88? A ampla defesa também deveria, ao meu ver, permear todo e qualquer procedimento, seja ele administrativo ou judicial por expressa disposição constitucional.
Aguardo resposta :)
3- Segundo sua explanação caberia ao TRE "judicializar" o procedimento. Ora, como ocorre esse fênomeno? Então não há que se falar em "recurso" contra a decisão que julga rejeitadas em contas, porque não há processo judicial instaurado. Caberia sim uma ação autônoma impugnativa de ato administrativo (qual seja, a decisao administrativa de rejeição de contas). Onde há a previsão para "recurso" para o TRE? Caberia ao meu ver MANDADO DE SEGURANÇA contra o ato administrativo do juiz. E mais uma vez registro que, sendo processo administrativo, deveria haver possibilidade de recursos ainda na esfera administrativa. E sendo Mandado de Segurança de competência originária do TRE cabível seria R.O. para o TSE. Há alguma viabilidade nesse meu raciocínio?
A minha dúvida então passa a ser seguinte: se o recurso inominado ao TRE é de natureza administrativa, então acredito ser possível, uma vez terminada a via administrativa, com o recurso ao TRE, ingressar na via judicial. Meu grande problema é, em poucas palavras, encontrar o limite exato entre a seara adminitrativa e judicial.
Apoiando-me em seu raciocínio, entendo que a decisao recursal do TRE é um autêntico recurso dentro do processo administrativo. Assim, uma vez publicada a decisao TRE, caberia agora ingressar na via judicial. Sendo decisão administrativa do Pleno do TRE, ao meu ver, seria cabível Mandado de Segurança contra a decisao *administrativa*. Repito então a dúvida: em que ponto termina a esfera administrativa e começa a judicial? É sabado que a decisão administrativa imutável pode ser a porta de entrada à esfera judicial.
E uma dúvida persiste: em havendo violação à constituição (como de fato haverá, já que a penalidade é escandalosamente inconstitucional), como recorrer ao STF?? É crucial se determinar a natureza do processo de prestação de contas para, inclusive, pavimentar a via recursal. Creio que se isso não for pacificado, somente a jurisprudência poderá dar a palavra final e, logicamente, a depender do teor de algumas decisões, resultará em danos irreparáveis aos candidatos cujos advogados terão dúvidas sobre quais instrumentos jurídicos adequados poderão manejar.